Apologética

Fui roubado pelo “contador-pastor”.

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Durante anos o meu contador, que se apresentava como pastor de uma igreja neopentecostal da Zona Leste, desviou da minha empresa recursos que eram destinados ao pagamento de impostos. Para isso, forjou guias e falsificou autenticações bancárias. Até aí, digamos, tudo “normal”.

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Munido de todas as provas, tratei de abrir um boletim de ocorrência na delegacia do bairro e fiz uma denúncia ao conselho regional de contabilidade. E, ainda, liguei para a igreja neopentecostal em que ele pregava e relatei o fato ao pastor-chefe, que se mostrou frio e indiferente (talvez em nome de uma pragmática política de resultados). Enfim, fiz tudo isso para nada.

Passados mais de dois anos, o inquérito na delegacia ainda não foi aberto, o sujeito continua filiado ao conselho profissional e seu escritório operando normalmente. Na Justiça, depois de ganhar bastante tempo – seu advogado usou de todas as artimanhas e malandragens que o cipoal jurídico do Brasil estimula –, acabou tendo que fazer um acordo que reparou parcialmente meu prejuízo. Eu, a vítima, fui submetido à sentença “é pegar ou largar”.

Conhecendo o País em que vivo, “peguei”, naturalmente. De vez em quando, minha advogada liga para a delegacia e ouve que a coisa ainda está parada. Coincidência ou não, o contador me contou certa vez que trabalhava para várias empresas de segurança, normalmente negócios tocados por policiais ou ex-policiais. Estou contando essas coisas, motivado pelo escândalo de Brasília (desculpem a redundância), envolvendo o pilantra (manjado de outros carnavais) José Roberto Arruda e sua gangue.

Seria apenas mais uma expressão da praxe desonesta dos políticos brasileiros, não importa quais sejam seus partidos, sempre meras fachadas para negociatas escusas, não fosse o componente da cena em vídeo da bandidagem abraçada, “orando”…

Imediatamente, me veio à mente a pessoa do meu “contador-pastor”. Quando eu fazia-lhe visitas no escritório, notava que sempre havia uma bíblia aberta à sua frente. A cada dez palavras, saía-se, “emocionado”, com um refrão bíblico qualquer à guisa de exemplo dignificante. Com o Brasil coalhado de malandros e igrejas era claro que, mais cedo ou mais tarde, nos depararíamos com uma associação direta entre roubalheira de dinheiro público e “fervor religioso”.

Abraçados, os ladrões reconheciam que “somos falhos” e agradeciam a proteção do “Senhor”. Mais honesto seria reconhecerem logo que são todos “filhos” da mesma mãe…

No futebol, os mesmos jogadores que dão cotoveladas, fazem gols com a mão e aceitam “malas brancas”, quando acertam a bola na rede levantam as camisetas e mostram mensagens de fidelidade a Jesus, jogam beijos para o céu e se prostram de joelhos. Costumo assistir, com freqüência, e recomendo em minhas palestras a estudantes a que assistam também, aos pastores da televisão (não importa o canal). O objetivo é aprender com eles sobre a nossa profissão de comunicadores/vendedores.

Afinal, eles estão no mesmo negócio em que nós operamos: o negócio de convencer pessoas a deixar-nos uma grana pela marca que defendemos, movidas pelo reconhecimento da conveniência de fazê-lo. (Sejamos humildes e reconheçamos que nenhum publicitário brasileiro teve competência para montar um negócio do tamanho dos que eles montaram). Não fosse assim – puro negócio –, que propósito justificaria pastores diversos de igrejas diferentes pregarem as mesmas coisas, em nome do mesmo Deus, só que arrecadando para cofres de nomenclaturas particulares? É negócio. E, por ser negócio, não constrange ladrões e vigaristas, como os de Brasília, de apropriarem-se de rituais de expiação e agradecimento com a cara mais deslavada do mundo.

O fato é que perdemos a noção. Não temos mais balizamento moral nenhum. Na política, os crimes eleitorais não precisam mais de disfarces. Liberou geral. Não importa se situação ou oposição, pré-candidatos ou cabos eleitorais, ocupantes de cargos públicos passam por cima da lei como se a justiça eleitoral não existisse.

Nunca vi tamanha desmoralização. Mas como poderia ser diferente se na administração desse imenso galinheiro chamado Brasil o organograma é todo ocupado por lobos? Duvida? É só gravar que a dúvida se dissipa. Eu, aliás, sempre defendi a tese de que o que diferencia um político incontestavelmente corrupto dos outros é o fato dele ter sido gravado e os outros não.

Perto dessa gente, o meu ex-“contador/pastor”, coitado, é um anjinho…

Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing.
Via: [ PavaBlog ]

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