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Síria: passado turbulento, futuro incerto

Síria: passado turbulento, futuro incerto
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Síria: passado turbulento, futuro incertoO próximo mês de março marca o quinto aniversário do que começou como mais um capítulo da assim chamada “Primavera Árabe” que se transformou em guerra civil, deteriorando-se em catástrofe humanitária e finalmente levando ao colapso…

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Síria: passado turbulento, futuro incerto

O próximo mês de março marca o quinto aniversário do que começou como mais um capítulo da assim chamada “Primavera Árabe” que se transformou em guerra civil, deteriorando-se em catástrofe humanitária e finalmente levando ao colapso sistêmico da Síria como Estado-nação.

Essa sequência de acontecimentos impactou profundamente praticamente toda a região conhecida como Grande Oriente Médio, atingindo inúmeros aspectos das nações que o integram abarcando demografia, formação étnica-sectária e segurança. Uma vez que o objetivo deste artigo não é o de apresentar uma descrição histórica dos acontecimentos, uma breve recapitulação de alguns aspectos expressivos será o suficiente.

Há cinco anos, quando ocorreu a primeira demonstração em Deraa, no sul da Síria, grande parte do assim chamado “Mundo Árabe” se encontrava em um estado de enorme expectativa na esteira dos levantes na Tunísia, Egito e Líbia, que pareciam ter dado fim a décadas de domínio déspota dos órgãos de segurança militar do estado. Apesar das diferenças expressivas, o país Síria, naquela época, se encaixava na descrição do típico modelo do estado árabe instituído após a Segunda Guerra Mundial.

Portanto não seria extravagante acreditar, naquela época, que o país iria responder aos primeiros sinais de descontentamento popular da mesma maneira que países semelhantes tinham reagido em outras regiões do mundo árabe. Uma diferença significativa, justamente quando começou o levante, a Síria que era, sem a menor sombra de dúvida, o país mais repressivo do mundo árabe moderno, fora o regime de Saddam Hussein do Iraque, tinha iniciado um programa de reforma e liberalização tímidas. O novo ditador, Bashar al-Assad, procurava se retratar como reformador educado no Ocidente que via com bons olhos aspectos do pluralismo e economia de mercado. Ele permitiu o surgimento dos primeiros bancos do setor privado e privatizou várias empresas estatais. Ele também permitiu que o setor privado assumisse o comando em inúmeros setores novos, notadamente no ramo de celulares e Internet. Verdade seja dita, os novos bancos, as empresas privatizadas e as novas empresas de tecnologia pertenciam praticamente em sua totalidade, a membros do clã Assad e a pessoas ligadas à equipe de segurança-militar, as quais vigiavam atentamente todas as atividades concernentes. Apesar disso, havia certo consenso entre os analistas ocidentais, especializados em assuntos da Síria, que o jovem Assad estava dando os primeiros passos necessários em direção às reformas. Essa impressão foi reforçada pelo fato do regime ter permitido o surgimento de uma série de organizações não-governamentais (ONGs), ativas em uma gama de temas, incluindo direitos humanos, não deixando de lembrar que os serviços de segurança mantinham atenta vigilância.

As potências ocidentais procuraram incentivar o que elas visualizavam ser um lento processo de reforma oferecendo ajuda econômica a Assad, na maioria das vezes através da União Européia, além de boa vontade na esfera diplomática. Assad foi convidado a visitas oficiais de grande repercussão, incluindo Grã-Bretanha e França, onde lhe foi concedido uma cadeira na primeira fileira para assistir ao tradicional desfile militar de 14 de julho em Paris.

Quando da concentração de manifestantes em Deraa, a administração Obama estava preparando o caminho para a visita de Assad a Washington, também surgiram publicações de artigos opinativos escritos por Democratas do alto escalão tecendo elogios ao líder sírio, louvando-o como reformador e moderado.

O então presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, Senador John Kerry, desenvolveu uma amizade pessoal com Assad, com quem se encontrou inúmeras vezes nas visitas que fez a Damasco, onde as respectivas esposas também criaram elos e afinidades.

O fato das relações de Assad com a administração Bush terem sido turbulentas, isso para dizer o mínimo, também fortaleceu a imagem de Assad perante a administração Obama, que estava construindo uma política externa baseada em sentimentos anti-Bush. (Bush tinha forçado Assad a acabar com a ocupação do Líbano pela Síria, Assad revidou permitindo a passagem de terroristas islamistas pela Síria para que assassinassem americanos no Iraque). Por três décadas, o pai de Assad, Hafez al-Assad foi o único líder árabe a manter encontros tête-à-tête com todos os presidentes dos EUA, de Richard Nixon a Bill Clinton. O Presidente George W. Bush quebrou a tradição não concedendo a mesma honraria a Bashar al-Assad.

No final, o regime de Assad repetiu os mesmos equívocos de praticamente todos os regimes autoritários que tentaram aplicar a receita da “reforma dirigida”.

Um regime autoritário corre seu maior perigo quando ensaia alguma espécie de liberalização. Fora isso, o fato é que nem todos os regimes autoritários contam com mecanismos eficientes para efetuarem reformas. Em determinados casos, há duas opções: esmagar as reivindicações populares que demandam reformas ou correr o risco de mudança de regime. Como o sabem muito bem os países da América Latina, ao passo que a dictablanda (ditadura light) pode passar por reformas, a dictadura (ditadura linha dura) tem que ser derrubada.

Após um breve período no qual, a la Hamlet, ele questionava a si mesmo se deveria matar ou não matar, Assad optou pela opção de matar, enviando tanques para esmagar Deraa. A receita já tinha sido experimentada em 1982 sob o governo de seu pai General Hafez al-Assad em Hama e deu certo, assegurando quase três décadas de estabilidade para o regime.

Assim como acontece com outros regimes árabes autoritários que se veem diante de revoltas populares, o regime de Assad foi, pelo menos em parte, vítima de seu relativo sucesso.

As décadas de estabilidade após o episódio de Hama e o fim do estado de guerra da Síria com Israel, vigente embora não formal, permitiu a formação de uma nova classe média urbana, um crescimento quantitativo impressionante de unidades educacionais e a revitalização de setores tradicionais da economia, principalmente nos segmentos da agricultura e do artesanato, que fugiam do controle central do governo.

O desempenho de Assad em áreas como alfabetização, aprimoramento nos serviços de saúde que ajudaram a elevar a expectativa de vida e o acesso ao ensino superior, eram significativamente melhores do que a média dos 22 membros da Liga Árabe. Uma nova classe média urbana com aspirações políticas do estilo ocidental tinha emergido, para no final se ver amarrada por um sistema político do estilo do terceiro mundo. O problema é que esta nova classe média, politicamente inexperiente, para não dizer imatura, não conseguia ir além do que expressar suas aspirações de maneira improvisada. Ela não contava com uma liderança e estrutura política para traduzir aquelas aspirações em uma estratégia para impor uma remodelação radical da sociedade síria.

Assim, como as outras nações que estavam atravessando pela experiência da “Primavera Árabe”, isso sem falar das revoluções européias de 1848, o levante sírio se encontrava diante da perspectiva da derrota, diante de um estado autoritário que desejava reformar. A incapacidade do levante em desenvolver uma estratégia coerente criou um vácuo que outras forças trataram de preencher.

A primeira dessas forças foi a Irmandade Muçulmana, a adversária mais antiga do regime Assad e da máquina de seu Partido Socialista Árabe Baath (“Ressurgimento”). Tendo permanecido como mero espectador nas primeiras fases do levante, a liderança da Irmandade Muçulmana, então no exílio na Alemanha, reativou suas células dormentes, começando a promover ideias sectárias: muçulmanos sunitas contra a minoria alauíta à qual Assad pertence.

Paradoxalmente, o regime incentivou, indiretamente, a ascensão da Irmandade por duas razões. Primeira, o regime esperava que uma dose de sectarismo unificaria a minoria alauíta, 10% da população em torno de si, ao mesmo tempo persuadiria outras minorias, notadamente as cristãs, cerca de 8% da população, além dos ismaelitas e drusos, que somariam mais 2%, que assim teriam mais chances de se saírem bem com um regime autoritário secular do que com um regime militante islamista sunita. Para tanto, o regime começou a soltar um grande número de militantes islamistas sunitas, entre eles muitos dos futuros líderes do Califado Estado Islâmico (ISIS). Assad também se aproximou dos curdos, cerca de 10% da população, muitos dos quais tiveram sua nacionalidade síria revogada nos anos 1960. Em um decreto presidencial, ele prometeu restabelecer sua nacionalidade ao mesmo tempo sinalizando importantes concessões na questão da autonomia interna das minorias étnicas.

Ao enfatizar os aspectos sectários do conflito, Assad também esperava conquistar a simpatia e o apoio de democracias ocidentais que, naquela época como agora, estavam preocupadas com o crescimento Islã militante como uma ameaça à sua própria segurança.

Ao apostar na carta sectária, Assad também conquistou maior apoio do regime xiita da República Islâmica em Teerã. O xiismo não reconhece os alauítas, mais conhecidos nos meios clérigos como nusairitas como muçulmanos, muito menos como xiitas.

Apesar disso, Teerã sabia que embora o regime em Damasco, dominado pelos nusairitas não apresentava nenhum risco ideológico/teológico, a Irmandade Muçulmana e a sua doutrina de pan-islamismo sim. Teerã precisava de um regime amigo em Damasco para assegurar acesso sistemático ao vizinho Líbano, onde a República Islâmica era a influência estrangeira mais importante, graças ao seu patrocínio do braço libanês do Hisbolá.

Já usufruindo de uma importante presença no Iraque, a República Islâmica precisava da Síria para completar o “Crescente Xiita”, considerando aquele país como seu flanco e ponto de acesso ao Mediterrâneo.

Mesmo naquela época, a luta pela Síria não se tornou, e ainda hoje não é, uma guerra sectária, muito embora haja dentro dela elementos sectários. Outras forças estão presentes nesse complexo conflito. Entre elas estão os dissidentes do Partido Ba’ath, principalmente os membros de tendência esquerdista que foram reprimidos durante o regime do Assad pai. Os remanescentes de diversos partidos comunistas da Síria também estão ativos, bem como os pequenos mas experientes grupos árabes nacionalistas (nasseristas).

Pelo fato de praticamente todas as comunidades religiosas e/ou étnicas estarem divididas, algumas se alinhando com Assad, outras lutando contra ele, fica difícil traçar linhas claras de demarcação sectária. Até mesmo os curdos estão muito divididos entre si em relação ao PKK, o partido curdo-turco, eles estão presentes na Síria por décadas como exilados, mantendo o equilíbrio de forças.

Uma complicação adicional se deve ao envolvimento de um número cada vez maior de potências estrangeiras, a última sendo a Rússia.

Nós já mencionamos o envolvimento do Irã que busca proteger um regime com o qual nunca conseguiu forjar uma amizade genuína. Tratava-se de uma aliança por necessidade, não por preferência, isso desde o início, porque Teerã precisava que Damasco dividisse o mundo árabe durante os longos oito anos da guerra Irã-Iraque tendo como pano de fundo a rivalidade entre Assad pai e Saddam Hussein que competiam pela liderança pelo Baath pan-árabe.

Assad pai visitou Teerã apenas uma vez por algumas horas, tomou cuidados especiais com o objetivo de impor limites rígidos quanto à presença iraniana na Síria, aproveitando-se da generosidade iraniana na forma de petróleo com preço reduzido, doações em dinheiro e envio de armamentos. Somente depois que Bashar assumiu o comando, a Síria permitiu que o Irã abrisse consulados fora de Damasco, e posteriormente estabelecesse 14 “Centros Culturais” para promover o Islã xiita. Também foi durante o governo de Bashar que Teerã e Damasco concluíram um “Acordo de Cooperação na Área da Defesa”, relativamente limitado, que incluía conversações do estado maior de ambos os países e a troca de informações sobre inteligência militar.

Embora mais de um milhão de iranianos tenha visitado a Síria a cada ano quando da peregrinação ao santuário xiita de SAYEDA Zeinab perto de Damasco, praticamente nenhum sírio visitou o Irã, lembrando que o comércio entre os dois aliados permaneceu irrisório. Em uma entrevista concedida pouco antes de sua morte em combate perto de Aleppo, o general iraniano Hussein Hamadani, lembrou como os oficiais sírios de alta patente eram “extremamente relutantes” em permitir que militares iranianos dessem palpites em algum tipo de planejamento, muito menos conduzir operações contra os rebeldes anti-Assad. Os generais sírios tiveram uma educação secular, adoravam seus drinques e consideravam os iranianos fanáticos medievais agarrados a sonhos anacrônicos.

Em 2015, contudo, o Irã era a principal base de sustentação do regime de Assad. Estima-se que o Irã tenha desembolsado cerca de US$12 bilhões em sua aventura na síria, incluindo o pagamento de salários de funcionários do governo que ainda estão em áreas sob controle de Assad. Quando da elaboração deste artigo, o Irã já tinha perdido 143 oficiais de alta patente, de capitães para cima, em combate nos campos de batalha na Síria. Enviado para lutar na Síria obedecendo as ordens de Teerã, o braço libanês do Hisbolá desempenhou um papel crucial em restringir as perdas territoriais de Assad, principalmente ao sul perto da fronteira com o Líbano e nas montanhas a oeste de Damasco. Segundo estimativas conservadoras o número de perdas do Hisbolá em 2014 e 2015 ultrapassa a casa dos 800, um terço a mais do que suas perdas na guerra contra Israel em 2006.

O “Guia Supremo” do Irã Ali Khamenei, anunciou publicamente que não irá permitir uma mudança de regime em Damasco, ele foi o único líder estrangeiro a assumir essa posição.

Ao passo que o Irã é a força mais importante apoiando Assad, a Turquia emergiu como a principal fonte de sustentação das forças anti-Assad. Na primeira década do novo século, a Turquia que estava experimentando um crescimento sustentável, investiu mais de US$20 bilhões na Síria, tornando Aleppo e suas províncias adjacentes em parte integrante do interior industrial turco. Enquanto críticos acusam a Turquia de guardar no coração sonhos neo-otomanos de dominação no Oriente Médio, é mais provável que os líderes em Ancara enxerguem o imbróglio sírio como oportunidade de “resolverem” o problema dos secessionistas curdos/turcos acantonados em território sírio desde os anos 1980.

A “tolerante” liderança islâmica da Turquia sempre teve laços com o movimento global da Irmandade Muçulmana e está determinada a ver seus aliados sírios tendo uma voz influente no futuro daquele país.

A Turquia pagou um preço mais alto pelo seu envolvimento na Síria do que o Irã pela sua intromissão nos assuntos daquele país. Diferentemente do Irã, que não abrigou um único refugiado sírio, a Turquia recebeu mais de 2,5 milhões de refugiados sírios, criando uma ameaça de longo prazo tanto humanitária quanto de segurança, justamente quando Ancara se debate com recessão econômica e elevação da tensão social.

A decisão de Ancara de estimular a ida de grandes contingentes de refugiados para a União Européia foi uma tentativa de forçar as nações mais ricas do continente a dividirem parte do ônus com a Turquia. Quatro anos de lobismo não foram suficientes para que a Turquia conseguisse convencer seu aliado, os Estados Unidos, a endossar o estabelecimento de um “refúgio” e de uma “zona de exclusão aérea” na Síria, para persuadir ao menos um pequeno número de sírios a permanecerem em sua terra natal em vez deles se tornarem refugiados na Turquia e em outros países vizinhos.

Entretanto, a premissa iraniana de que independentemente do que acontecer na Síria não irá afetar a segurança nacional do Irã, enquanto a Turquia corre perigo direto, pode estar equivocada. O Califado Estado Islâmico (ISIS) já chegou a um acordo tácito de não avançar além de uma linha de 40 quilômetros da fronteira do Irã com o Iraque, indicando assim seu desejo de evitar um confronto direto com Teerã a essa altura.

Não há garantias de que tal moderação continuará vigorando no contexto de territórios fragmentados na Síria e em partes do Iraque. Autoridades iranianas declararam publicamente que cerca de 80 grupos armados do Estado Islâmico estão presentes no Afeganistão e Paquistão próximos das fronteiras iranianas. A segurança do Irã também pode estar ameaçada por um envolvimento mais acentuado de várias comunidades curdas, exilados sírios, turcos, iraquianos e iranianos naqueles países, quando de um conflito regional mais amplo. O apoio incondicional do Irã a Assad também poderá colocar a República Islâmica do lado dos derrotados, se e quando o que sobrar do regime em Damasco entrar em colapso.

A Rússia, que também entrou na briga com seu apoio a Assad, já pode estar repensando sua decisão imprudente de se envolver em um conflito que não entende muito bem e em um país onde, um quarto de século após a queda da URSS, conta com pouquíssimos contatos de confiança.

Três acontecimentos parecem ter convencido o Presidente Putin a atenuar sua entusiasmada postura inicial. O primeiro foi a derrubada de um avião de passageiros russo pelo ISIS, um lembrete sobre a vulnerabilidade que a Rússia divide com todos os países em face do terrorismo global. O segundo foi a Turquia abater um caça russo, um lembrete que em uma situação conturbada como a da Síria, não há como garantir que tudo estará sob controle o tempo todo. O terceiro foi o ataque organizado por um grupo pró-califado contra uma base militar russa no Tadjiquistão, ao que tudo indica, para vingar o assassinato de uma menina local por um soldado russo.

Na Rússia residem cerca de 20 milhões de muçulmanos, praticantes e não praticantes, a maioria de fé sunita e, pelo menos teoricamente, simpáticos para com a maioria sunita síria que está lutando contra Assad. O firme apoio da Rússia a Assad poderia provocar uma reação terrorista não só contra turistas russos, como aconteceu em Sharm al-Sheikh, mas também dentro da própria federação russa.

O país mais afetado pelo conflito da Síria, tanto radicalmente quanto talvez permanentemente é o Líbano. Mais de 1,8 milhões de refugiados sírios ingressaram no Líbano, alterando o delicado equilíbrio demográfico do país.

O atual governo provisório do Líbano, com o primeiro-ministro muçulmano sunita acumulando imensos poderes executivos, está propenso a conceder cidadania aos novos recém-chegados o mais rápido possível. Se os novos recém-chegados se instalarem em caráter permanente, o Líbano se tornará mais um país de maioria árabe sunita, onde cristãos, xiitas e drusos perfarão juntos não mais do que 45% da população.

A vizinha Jordânia também está sendo consideravelmente afetada, só que desta vez em favor da influente elite hachemita. A absorção de cerca de 1,2 milhões de refugiados sírios, em sua maioria muçulmanos sunitas, e mais meio milhão de refugiados iraquianos sunitas irá diluir a composição demográfica em favor de comunidades não-palestinas, notadamente minorias árabes beduínas, circassianos, drusos, turcomanos e cristãos, que perfazem não mais de 35% da população.

O país mais diretamente afetado até agora é o Iraque, que perdeu boa parte de seu território, notadamente Mossul, sua terceira cidade mais populosa, para o Califado Estado Islâmico, centralizado em Raqqah na Síria. Os detentores do poder em Bagdá estão preocupados com a ideia das potências ocidentais acabarem aceitando uma nova partilha do Oriente Médio, que incluiria o surgimento de um novo estado de maioria sunita constituído de quatro províncias iraquianas e cinco sírias.

A ideia de manter conversações com o ISIS já foi levantada na Grã-Bretanha pelo novo líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn, com a sugestão da abertura de uma segunda via com o califado para avaliar a possibilidade de negociações de paz e um acordo. Tal iniciativa seria o primeiro passo na direção do reconhecimento de um novo e independente estado sunita.

O Iraque também está preocupado com o futuro das regiões curdas recapturadas do Califado ISIS por combatentes curdos da Turquia, Síria e Iraque. Será que os curdos devolverão aquelas terras a Bagdá depois que a calma voltar?

A ideia de um novo estado sunita às margens do Eufrates promoveu outra ideia, a de um país para minorias como os alauítas, cristãos, ismaelitas e drusos no Mediterrâneo, se estendendo de partes do Líbano até o contorno da costa síria ao longo das montanhas a oeste de Damasco. Essa área cobriria, em linhas gerais, um território da Síria que durante o mandato dos franceses era por eles chamado de “la Syrie utile” (a Síria útil).

A Rússia, outro país que recentemente se envolveu na Síria, poderia cravar as instalações aeronavais que tanto procura obter no Mediterrâneo, no território desse novo estado.

Desnecessário dizer que os curdos, divididos em comunidades presentes na Síria, Turquia, Iraque, Irã, Armênia e Azerbaijão (antiga república soviética), já sentem os efeitos do conflito na Síria. A ideia de um estado curdo unido nunca esteve mais presente na imaginação dos curdos em toda a região. Sua concretização, entretanto, nunca esteve tão distante quanto hoje. Diversas comunidades e partidos curdos estão envolvidos em conflitos intensos sobre o controle da narrativa e da agenda curda, por vezes até se aproximando de conflitos armados. Consciente dos perigos envolvidos, o líder curdo-iraquiano Masood Barzani foi obrigado, às pressas, a engavetar seu anunciado plano de declarar a independência curda em três províncias iraquianas controladas por ele em coalizão com inúmeros partidos.

Unidos na luta contra o ISIS em sua própria vizinhança, os curdos estão profundamente divididos sobre os próximos passos a serem tomados, o perigo deles usarem suas armas, muitas das quais fornecidas pelos EUA, uns contra os outros não está descartado.

O conflito na Síria também afeta outros países árabes e muçulmanos, em parte devido ao magnetismo do jihadismo criado pelo califado e por outros grupos islamistas como o Jabhat al-Nusra (Frente da Vitória). Quando da elaboração deste artigo, grupos que alegam ter algum tipo de ligação com jihadistas sírios perpetraram ou tentaram perpetrar atos terroristas em 21 países de maioria muçulmana, da Indonésia a Burkina Faso, passando pela Arábia Saudita, Turquia, Egito e Líbia. Esses grupos também foram os responsáveis por ataques ou tentativas de perpetrar ataques na França, Bélgica, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Os países árabes do Golfo Pérsico, ricos em petróleo, vêm apoiando ativamente diversos grupos anti-Assad. Mas eles também correm o perigo de repetirem suas experiências desastrosas no Afeganistão quando ajudaram jihadistas a combaterem os comunistas locais e seus patrocinadores soviéticos, para se virem no final diante do Talibã e da Al Qaeda.

Na realidade, por mais de meio século, diversos líderes jihadistas alimentaram o sonho de tomar o controle de pelo menos um estado árabe rico em petróleo, capaz de assegurar os recursos financeiros necessários para a sua estratégia de conquista global.

Mais tarde, ainda neste mês, será aberta em Genebra uma nova conferência internacional sobre a Síria. Faz parte da agenda um plano de divisão de forças, uma nova constituição e eleições gerais sob a supervisão da ONU em dois anos. Originalmente o plano foi desenvolvido em 2012 por um instituto interdisciplinar de estudos de Nova Iorque e entregue a Assad por intermédio de duas conceituadas figuras políticas libanesas. Assad as saudou, mas com cautela. O plano também desfrutou de certo apoio do NSC na administração Obama. Contudo, praticamente no último minuto, o Presidente Obama vetou o plano, declarando publicamente que Assad não pode mais permanecer no cargo.

Supondo-se que o plano tinha uma remotíssima chance em 2012, hoje não tem praticamente nenhuma. O motivo é que ninguém está de fato totalmente no comando de seu próprio grupo/facção na Síria, supondo-se que é fácil descobrir grupos/facções reconhecíveis capazes de agirem como entidades distintas.

A Síria, que nunca foi uma entidade distinta como estado até o mandato francês, passou por pelo menos cinco versões diferentes de soberania, foi transformada em estado após a Primeira Guerra Mundial.

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Em 2011, quando Deraa precipitou o levante nacional, a Síria já tinha se tornado um Estado-nação de fato, com uma acepção de “Siriadade” (em árabe: Saryana) que jamais tinha existido. Essa Saryana ficou clara na literatura, cinema, televisão e jornalismo da nação e acima de tudo, na versão do idioma árabe falado de um extremo ao outro do país.

Com o colapso do estado sírio, agora controlando parcamente 40% do território nacional, e com a intensificação do conflito levando consigo todas as inevitáveis nuanças sectárias, essa sensação de “Saryana” ficou sob imensa pressão, sem falar das regiões controladas pelo Califado ISIS, singularmente selecionado como inimigo número um. A Síria de hoje é uma colcha de retalhos de emirados, grandes e pequenos, coexistindo e/ou lutando em um contexto de economia de guerra com ênfase no particularismo local, étnico e religioso. Muitos desses emirados desenvolveram um sistema de coexistência permitindo que eles administrem as comunidades sob seu controle e as norteiem em diferentes direções. Na maioria dos casos, a direção em questão é o sentido do melhor marketing com respeito ao “puro Islã maometano”, em suas mais diferentes formas. Mas em poucos casos, para a surpresa de muitos, experimentos tímidos com pluralismo e democracia também estão em andamento.

O desafio hoje não é o de resgatar, por meio de artifícios diplomáticos, uma Síria que em grande medida não existe mais e sim de ajudar a criar uma nova Síria. Esse, contudo, é um desafio que ao que parece hoje ninguém quer, muito menos ser capaz, de enfrentar.

Amir Taheri, ex-editor do mais importante jornal do Irã o Kayhan, antes da revolução iraniana de 1979, é um destacado escritor na Europa. Ele é o Presidente do Gatestone Europe. Essas observações sobre a Síria foram proferidas em um Seminário sobre Segurança Regional organizado pelo George C Marshall European Center for Security Studies, em Munique, Alemanha em 25 de janeiro de, 2016.

Fonte: Julio Severo

Divulgação: Eismeaqui.com.br

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