Estudos Bíblicos

O desespero humano e a possibilidade de salvação

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A individualidade, para Kierkegaard é uma ousadia, em virtude do esforço e da raridade com que são projetadas diante de Deus. A relação do homem consigo mesmo, em sua realidade pessoal, é dominada pelo desespero em razão da condição na qual ele se encontra ao cruzar..

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1. Introdução

A individualidade, para Kierkegaard é uma ousadia, em virtude do esforço e da raridade com que são projetadas diante de Deus. A relação do homem consigo mesmo, em sua realidade pessoal, é dominada pelo desespero em razão da condição na qual ele se encontra ao cruzar com uma possibilidade seguida de outra sem permanecer, de fato, em nenhuma delas. É por esta razão que Kierkegaard compara o desespero com uma doença1.
Este desespero, ao enfrentar as possibilidades, coloca o homem diante de si mesmo com suas escolhas possíveis. Um dos aspectos de qualquer escolha possível é a ação, na qual o homem permanece fora de si mesmo ao projetar-se na realidade, uma vez que ele enfrenta os possíveis da realidade concretizando, dessa maneira, sua singularidade2.
Diante do desespero causado pela soma de todas as possibilidades, o homem encontra sua salvação somente pela ajuda de Deus. É Deus quem salva o homem do desepero das possibilidades. Por isso, o outro aspecto que complementa a parte material do primeiro, é sua nova compreensão de ser humano que está ligado ao seu espírito. Este aspecto é necessário em razão da síntese reflexiva que o homem deve realizar, pois, pelo espírito, o homem entra em contato com Deus para a superação diante da sua existência3. De acordo com Kierkegaard, o homem sozinho não consegue eliminar o seu desespero, pois, embora tendo consciência dele, o esforço despendido para suprimi-lo, acabará por afundá-lo ainda mais.
2. O desespero kierkegaardiano
Embora Kierkegaard classifique o desespero como uma doença, ele o enxerga, na verdade, como o aspecto que diferencia o ser humano dos animais e o cristão do não cristão. O homem, ao contrário dos animais, é vulnerável ao desespero; assim como o cristão tem consciência do seu desespero, em oposição ao não cristão, uma vez que ele sabe da sua possibilidade de cura. Portanto, o desespero é um paradoxo, pois, se todo homem está atinigido pela doença do desespero, este pode ser também a cura, quando o homem transforma aquilo que é possível em realidade.
Esta passagem da possibilidade para a realidade causa uma queda. Logo, aqueles que não se desesperam permanecem elevados e, assim, não se transformam. Aqueles que não tem consciência do seu desespero permanecem apenas na possibilidade, sem, de fato, transformarem essa possibilidade em realidade. Esta estadia no desespero leva o homem à morte, pois, para Kierkegaard, o desespero é, a relação do homem voltada apenas para si próprio. Portanto, o homem, retido nesta categoria de fechamento, desconfia de todos e acredita apenas em si mesmo.
Kierkegaard continua e compara o desespero com uma morte sem morrer. Uma vez que a morte, em si mesma, aniquila com todas as doenças, a morte para o cristão é, em última análise, uma passagem para a vida. O desespero, por outro lado, não permite que a morte ponha fim ao sofrimento. Assim, estar mortalmente doente é não poder morrer e continuar no desespero. Neste caso, o ser humano vive, mas está morto. O desespero é o fechamento em si mesmo, e por isso, o homem que se desespera quer libertar-se do seu próprio eu. Esta é a consciência do desespero. A não consciência do desespero, o estar calmo e confiante em si mesmo, podem ser desespero. Assim como nunca ter sentido desespero é precisamente o desespero.
O desespero está relacionado ao desvio do destino espiritual do homem. A inconsciência que os homens tem do seu destino espiritual é o desespero. A inocência aque acompanha este estado inconsciente é classificada por Kierkegaard como portadora de paz e segurança ilusórias e, por esta razão, é insuficiente para a travessia da vida. Logo, a falsa satisfação na vida e a falta de preocupação é o próprio desespero.
O salto além do desespero vem com a consciência de que o seu eu é transcendente e existe para o relacionamento com Deus. Esta e a saída da morte, a conquista da eternidade, segundo Kierkegaard.
3. A transformação do eu
Para Kierkegaard a consciência do desespero que habita o indivíduo é o fator decisivo para que haja a liberdade do eu. O eu é a justaposição entre sua finitude e infinitude, uma vez que há a possibilidade de relacionamento com Deus. O processo de tornar-se si próprio envolve o contato com Deus e enquanto isso não acontece ele não consegue tornar-se si próprio. O eu que não é si próprio é o desespero.
O desespero pode ser definido pelo seu contrário, isto é, sendo o eu a síntese entre finito e infinito. O homem que anula o seu eu físico, que se perdeu em sua imaginação, não consegue regressar a si próprio, afastando-se cada vez mais de si mesmo. O homem que envolve-se cada vez mais com sua imaginação parte cada vez mais longe rumo ao infinito. Essa capacidade para o infinito, orienta o homem em direção a Deus, mas pode levá-lo também a perder seu próprio eu. Logo, um homem que está preso apenas à transcendência é desespero, que Kierkegaard chamou de desespero da infinidade.
Entretanto, fechar-se no finito, ou carecer do infinito é igualmente desesperador. Ao desesperar-se no finito o ser humano perde sua individualidade e torna-se uma repetição. Ao perder sua individualidade o homem esquece de si próprio e passa a assemelhar-se aos outros. Este é o desespero apático que a sociedade ignora e aplaude. Ao fechar-se em si mesmo este homem perde o seu eu por estar sem eu perante Deus. Kierkegaard chama a isso de desespero do finito, baseado numa vida de aparências de quem não se arrisca a nada.
A transformação do eu é a preocupação maior para Kierkegaard, Por isso, o desespero, além de ser a justaposição mal realizada entre o finito e o infinito, se manifesta também na falta do possível e da necessidade, os quais são essenciais para que haja a transformação e a liberdade do eu.
O eu é necessidade, pois ele deve tornar-se si próprio. Ao perder-se em sua imaginação, isto é, na possibilidade, o eu distancia-se de si mesmo e não consegue mais retornar aos aspectos da sua necessidade, fundamentais em sua constituição como indivíduo4. O eu, perdido na possibilidade, torna-se abstrato e perde sua individualidade. Na busca por tornar-se, ele acaba partindo e perde-se. Este é o desespero do possível, pois o eu se desespera diante de tantos possíveis sem jamais realizar-se. Entretanto, o tornar-se si mesmo, é um movimento sem deslocamento no qual o eu permanece em sua necessidade.
Por outro lado, a falta da possibilidade é também desespero, pois permanecer na necessidade, isto é, no finito, também é perder-se. O possível viabiliza a manifestação do eu, pois a existência da-se também fora de si mesmo. A partir do eu, qualquer salvação é impossível. Por isso que Kierkegaard afirma que a fé é a luta para que o possível se realize e crer é saber que a Deus tudo é possível. A fé em Deus é a abertuda da possibilidade. A verdadeira salvação só é possível quando nenhuma salvação é possível5, pois a única ajuda em face ao desespero é perceber que para Deus tudo é possível. É no desespero do possível, diante do infinito, que a fé em Deus é o remédio contra a doença o desespero, pois Deus pode a todo instante. É na fé que o ser humano resgata sua relação com Deus, realiza a síntese entre o finito e infinito, sem os quais o eu não tornar-se si próprio.
Se a fé existe por si só, desconectada de Deus, a crença não é possível, pois crer é a abertura da possibilidade; e tudo é possível somente a Deus. O eu torna-se si mesmo quando enfrenta o desespero do possível repousando sua fé em Deus, que pode tudo. No encontro com Deus o ser humano realiza sua síntese e pode tornar-se si mesmo.
4. O pecado e a fé
É a partir dessa síntese entre o finito e o infinito, e entre a necessidade e o possível que Kierkegaard vai desenvolver sua concepção de pecado. Ele vai começar dizendo que o pecado é uma condensação do desespero quando estamos diante de Deus. Esta condensação do desespero se caracteriza de duas maneiras. O desespero fraqueza, que é o desespero de não querer se tornar si mesmo; e o desespero desafio, que é o querer tornar-se si mesmo. Aqui o pecado é sempre permanecer na imaginação ao invés de querer uma relação e síntese reais.
Existe a consciência de querer ser a si mesmo, mas sem a presença de Deus. Tem-se consciência de estar diante de Deus, entretanto, ele ama muito mais o seu sofrimento preferindo o seu suplício em lugar de querer ser a si próprio. Ele não quer assumir seu próprio eu, não quer ver sua tarefa nesse eu, mas quer construir ele mesmo seu próprio eu sem a ajuda de Deus6.
O pecado pode ser descrito como uma resistência à liberdade de tornar-se si mesmo para permanecer no desespero sem a presença e ajuda de Deus, isto é, o pecado é a revolta contra Deus, pois tem-se consciência de sua presença, mas recusa-se sua ajuda.
Contudo, é na forma desse desespero mais intenso que existe a maior proximidade com a possibilidade de cura do desespero. A proximidade é maior pois se trata de um desespero com a ajuda de Deus. Esse é o desespero que promove a passagem para a fé, e a fé a reabertura daquilo que nos é possível. É uma nova possibilidade. É por isso que a fé só pode vir de Deus. É precisamente no momento que o desespero é muito mais intensamente sentido que a salvação está mais próxima7.
A consciência de estar diante de Deus faz com que o eu torne-se si mesmo, e quanto mais o eu torna-se si mesmo, mais tem-se consciência de Deus. O não cristão peca, pois ignora desesperadamente estar diante de Deus. Ao ter cada vez mais consciência de estar diante de Deus o eu perde-se de si mesmo, e percebe que não pode fazer nada para a sua salvação8. É exatamente quando o eu perde a si mesmo que ele ganha a si mesmo.
Kierkegaard rompe com o conceito de pecado como uma categoria moral, isto é, em termos de ações incorretas perante a sociedade, pois afirma que se trata de uma medida puramente humana. Uma vez que o pecado é não ter consciência de estar diante de Deus, Kierkegaard se apoia em Romanos 14:23 e afirma que o contrário do pecado, não é a virtude ou qualquer sistema moral, mas sim a fé, pois é esta que abre novas possibilidades com a ajuda de Deus pela consciência de estar diante dele. Portanto, pecado deve ser compreendido em termos de posicionamento, isto é, é um desvio de relacionamento, e não simplesmente más ações.
A fé é a cura para desespero, pois a síntese do relacionamento é recuperada. Logo, o eu é transformado em virtude do crescimento da ideia de Deus, isto é, quanto mais cresce a ideia de Deus, mais o eu cresce simultaneamente. De acordo com Kierkegaard este é o absurdo9 da existência cristã, uma vez que o finito e o eterno sintetizam-se no homem10.
5. Considerações finais
Segundo Kierkegaard, a fé é a cura para o desespero, pois restabelece a síntese absurda entre o finito e o infinito, além de descobrir novas possibilidades promovendo a transformação do eu em si mesmo.
Esta síntese entre finito e infinito se realiza a partir do momento onde o eu percebe-se diante de Deus em desespero. Mas pecado é mais do que desespero. Em virtude da síntese ser entre finito e infinto o pecado não pode ser reduzido às categorias humanas de comparação, isto é, o pecado não deve ser comparado apenas com as más ações, pois o moralismo não foi levado à suas últimas consequências, pois trata-se apenas de um sintoma, não da causa em si.
É por ter consciência do pecado, esse desespero último, que o ser humano não percebe nenhuma possibilidade e, por isso, toda a salvação é humanamente impossível.
No momento que o ser humano tem consciência dessa não possibilidade ele se perde, e, ao perder-se é achado uma vez que a síntese entre o infinito e finito foi realizada. Este é o paradoxo do ser cristão, assumir o risco de perder-se para ser achado.

Fonte: milhoranza.com

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