Estudos Bíblicos

Comentário Bíblico – 2 Timóteo 4:2

Comentário Bíblico – 2 Timóteo 4:2
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Muitas pessoas têm usado 2 Timóteo 4:2 para justificar a pregação evangelística em quaisquer oportunidades, mesmo que as pessoas alcançadas pela pregação sintam-se constrangidas e incomodadas.

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Por André R. Fonseca

Muitas pessoas têm usado 2 Timóteo 4:2 para justificar a pregação evangelística em quaisquer oportunidades, mesmo que as pessoas alcançadas pela pregação sintam-se constrangidas e incomodadas.

No Rio de Janeiro, por exemplo, muitas pessoas reclamam das pregações nos trens da Supervia e elas têm o direito de reclamar. Nós, que anunciamos o evangelho, estamos invadindo o espaço delas, é território do inimigo – “Ide! Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lucas 10:3). Ademais, quando acordamos em um ambiente escuro e alguém acende a luz, sentimo-nos incomodados pela luz. Como poderíamos esperar que a luz de Cristo brilhasse nas trevas sem incomodar aqueles que estão acostumados com sua escuridão?

Meu objetivo com este comentário bíblico não é julgar quem se utiliza de espaços públicos como os trens para evangelizar. Não desejo desqualificar essa modalidade de evangelismo, nem questionar os seus resultados.  Trata-se apenas de uma exposição exegética de 2 Timóteo 4:2, segundo a qual Paulo não estaria sugerindo que deveríamos ser inconvenientes na pregação da palavra. Uma interpretação bem diferente do que tenho ouvido já há algum tempo.

Pregar ou evangelizar?

A oração é imperativa: prega a palavra! E segundo a gramática, o imperativo é usado para indicar uma ordem, pedido ou exortação. Não há dúvida alguma de que essa é uma ordem de Paulo, e pesquisar o significado de “pregar a palavra” no contexto bíblico deveria ser nossa primeira preocupação para saber como responder à sua ordem. Será que “pregar a palavra” teria o mesmo significado de hoje, ou estaríamos agindo de uma maneira completamente diferente do que foi ordenado?

É comum utilizarmos a expressão pregar a palavra como sinônimo de evangelizar.

— Hoje tive a oportunidade de pregar a palavra ao meu vizinho…

— Fui convidado por meu irmão para pregar a palavra a seus amigos de trabalho…

Podemos até dizer que uma exposição bíblica doutrinária do pastor dirigida aos membros foi uma ótima pregação (substantivo), palavra ou sermão; mas dificilmente vejo o emprego da expressão pregar a palavra aos membros da igreja como referência a doutrinamento.

— Hoje, meu sermão será sobre mordomia.

— Durante o congresso de pastores, tive a oportunidade de trazer uma palavra sobre liderança nos moldes de Cristo.

— O irmão seminarista poderia preparar uma palavra sobre serviço para o encontro de diáconos da próxima semana?

É estranho dizer que um pastor pregou a palavra a outros pastores. O objeto indireto do verbo pregar parece estar invariavelmente impregnado pela ideia de ser alguém ainda não convertido, ou no mínimo desviado. Mesmo sem diferença alguma no significado das palavras pregação e pregar, não sei por que fazemos essa distinção entre elas, que são apenas diferentes em classe: uma é substantiva, e a outra, verbo. E acredito que, pelo mesmo motivo inexplicável, algumas pessoas são levadas a atribuir o significado de evangelização à ordem de Paulo para pregar a palavra.

O próximo passo seria recorrer aos textos bíblicos para verificar se encontramos a mesma diferença no grego quanto ao emprego da expressão pregar a palavra, ou de quaisquer outras palavras correlatas, da mesma forma que ocorre em português. Se a mesma diferença não puder ser constatada, poderíamos afirmar, pelo contexto geral da epístola, que Paulo estava tratando do sermão doutrinário, e não necessariamente do sermão evangelístico.

A expressão κήρυξον τὸν λόγον /kēruxon ton logon/, tal como está em 2 Timóteo 4:2, não é encontrada em nenhum outro lugar da Bíblia. O termo mais próximo, em português e no grego, é pregar o evangelho, como encontrado em Gálatas 4:13, que corresponde a ευαγγελιζω /euaggelizó/ grafado em uma só palavra, ou na combinação das palavras κηρύσσων τὸ εὐαγγέλιον (pregando o evangelho) em Mateus 9:35. Kérussó é a forma infinitiva de kēruxon de 2 Tm 4:2, a qual pode ser empregada no contexto de evangelizar ou doutrinar, segundo o Léxico Grego Analítico de Harold K. Moulton[1]. Kérussó designa evangelizar em Marcos 16:5 e Romanos 10:14-15; mas também encontra-se empregado em um contexto mais próximo de doutrinar em Romanos 2:21 e Gálatas 5:11. Porém, em Lucas 8:39 e Apocalipse 5:2 o verbo kérussó está fora de qualquer contexto evangelístico ou doutrinário. O próprio léxico supracitado associa o significado da palavra kérussó aos arautos, que proclamavam a mensagem de Deus abertamente, em voz alta – “…e o que dissestes aos ouvidos no interior da casa será proclamado [kérussó] dos eirados..” Compare também os termos, já apresentados, com Lucas 4:18-19:

“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar [euaggelizó] os pobres; enviou-me para proclamar [kérussó] libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar [kérussó]  o ano aceitável do Senhor.”

Uma vez que kérussó poderia também designar doutrinar ou proclamar não seria válido, em minha opinião, afirmar que Paulo estaria referindo-se ao sermão estritamente evangelístico quando urge a Timóteo para pregar a palavra, insta em tempo oportuno ou não. A boa hermenêutica recomenda comparar o texto obscuro com textos mais claros, mas não há recorrência da expressão noutro contexto bíblico para determinar se a expressão era empregada somente em situações evangelísticas, ou não. Pela experiência e observação, posso dizer que isso é verdadeiro na língua portuguesa, invariavelmente empregamos a expressão pregar a palavra como sinônimo de evangelizar; mas não é possível estar certo quanto ao emprego da expressão em grego analisando as recorrências da expressão κήρυξον τὸν λόγον /kēruxon ton logon/, ou mesmo verificando o significado individualizado das palavras-chaves e correlatas. Resta-nos, portanto, o contexto do próprio versículo.

Contexto pastoral

As cartas de Paulo a Timóteo e Tito são consideradas suas cartas pastorais, porque são conselhos ao pastorado de seus dois filhos na fé[2]. O preparo de Timóteo e Tito pelas mãos de Paulo para liderar igrejas é evidente.

Tito é mencionado por Paulo em outras três epístolas além da epístola que recebe seu nome (2Co 2:13; 7:6-7, 13-14; 8:6, 16, 23; 12:18; Gl 2:1,3 e 2Tm 4:10). Sua conversão foi resultado da pregação de Paulo em Antioquia da Síria, e Tito recebeu missões delicadas, como: pôr ordem na igreja em Corinto (2Co 2:13; 7:6-7, 13-14; 8:6, 16, 23; 12:18) e liderar a comunidade cristã na ilha de Creta (Tt 1:5), motivo pelo qual recebeu a epístola de Paulo com instruções pastorais.

Timóteo era um jovem de aproximadamente vinte anos quando se encontrou com Paulo em sua cidade, Listra. Sua presença ao lado do apóstolo é marcada quatro vezes em Atos (At 17:14-15; 18:5; 19:22; 20:4), e Paulo faz menção de seu nome em oito de suas cartas (Rm 16.21; 1Co 4.17; 16.10; 2Co 1.1; Fp 2.19; Cl 1.1; 1Ts 1.1; 3.2,6; 2Ts 1.1; Fm 1), além de endereçar-lhe duas epístolas com instruções pastorais. Timóteo havia recebido o encargo de zelar pela boa doutrina na Ásia Menor.

A segunda epístola a Timóteo, objeto de nossa análise, foi provavelmente a última carta escrita por Paulo entre os anos 66 e 67, período que se encontrava preso em Roma. Ele já havia passado dois anos na prisão, na capital do império; mas foram dois anos de prisão atenuada que lhe permitia dispor de casa independente e receber visitas sem restrições (At 28.30). O tom da epístola é grave, pois o próprio apóstolo reclama das condições de seu cárcere e pressente sua morte (2Tm 1:16; 2:9 e 4:6-8). Era a última oportunidade de o apóstolo aconselhar seu discípulo sobre o melhor cumprimento da responsabilidade pastoral de que o havia incumbido com imposição de mãos (1Tm 4:14 e 2Tm 1:6).

Prega a palavra

Timóteo, o pastor aprendiz, recebia as últimas instruções de seu mestre: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.” O que ele quis dizer com “prega a palavra”? Seria o mesmo que “Evangeliza, insta…”?

Observe o final do versículo. Corrigir, repreender, exortar com longanimidade e doutrina são palavras associadas ao cuidado pastoral com suas ovelhas, seria coerente amarrar o início do versículo com o seu contexto final. Levando em consideração o contexto pastoral da epístola, ousaria parafrasear o versículo da seguinte maneira: “Prega a palavra para corrigir, repreender, exortar e doutrinar as suas ovelhas com toda a longanimidade”. Lembre-se que a palavra pregar [kérussó] também é utilizada em outros textos com o sentido de doutrinar. Ademais, os versículos anteriores (2Tm 3:16-17) também estão dentro do contexto de conselhos pastorais sem qualquer associação à prática de evangelização.

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.”

De acordo com o contexto, toda a Escritura é útil para quê? Evangelizar ou doutrinar? Ensinar, repreender, corrigir e educar na justiça é próprio do trato pastoral com seu rebanho.

Ainda de acordo com o mesmo contexto, toda a Escritura é útil para quem? Para o não convertido? Claro que não! Seus benefícios são para o homem de Deus, para que ele seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.

Logo depois de fazer essas afirmações sobre a utilidade da Escritura, dentro de uma ótica pastoral e doutrinária, Paulo faz seu apelo para a pregação doutrinária, corrigindo, repreendendo e exortando a Igreja com longanimidade nos versículos 1 e 2 do capítulo 4.

O versículo 3 ainda faz parte do mesmo contexto doutrinário, porque faz sentido presumir que os membros da igreja são os que se cercariam de mestres segundo suas próprias doutrinas por não suportarem a sã doutrina. Seria incongruente inserir os não convertidos nesse contexto.

Os manuscritos originais não eram divididos em capítulos e versículo, os quais comprometem a fluência natural do texto. Está reproduzido abaixo, todo o trecho que perfaz o contexto de 2Tm 4:2. Leia com atenção!

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.”

Quando lemos o texto assim, do início ao fim, sem a segmentação de capítulos e versículos, percebemos mais facilmente que o objetivo de Paulo era orientar Timóteo quanto ao doutrinamento da Igreja, e o evangelismo claramente não faz parte do contexto.

Insta!

“Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.”

A Almeida Século XXI, em sua nota de rodapé, apresenta o imperativo prepara-te como tradução alternativa para a palavra ἐφίστημι /ephistémi/, tradicionalmente traduzida por insta[3]. A Nova Versão Internacional traz a tradução direta sem auxílio de rodapé – “Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo”. 

A palavra ἐφίστημι /ephistémi/ tem dois significados.

A) Ephistémi = estar próximo, iminente. Ela reaparece com essa acepção em 2Tm 4:6 – “e o tempo da minha partida está próximo” [ARC]. Hoje, segundo o Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa[4], instar é verbo obsoleto nas acepções de estar iminente e ser urgente, urgir.[5] Todavia, o emprego da palavra instar não corresponde à segunda definição da palavra ἐφίστημι /ephistémi/ como empregada em 2Tm 4:2.

B) Ephistémi = estar próximo, estar a postos, pronto para o uso – “Prega a palavra, insta [esteja a postos, pronto para o uso, preparado], quer seja oportuno, quer não…”

Entender insta como sinônimo de insistir é tão errado quanto aplicar o significado de irritar à palavra aborrecer[6] em Romanos 12:9 – “O amor seja não fingido. Aborrecei [tende aversão a] o mal e apegai-vos ao bem.”

Quer seja oportuno, quer não.

Precisamos nos agarrar ao contexto mais uma vez para entender o que Paulo chamava de tempo oportuno e inoportuno. No primeiro versículo do capítulo 3, ele diz que Timóteo enfrentaria tempos difíceis nos últimos dias. Comenta sobre a variedade de perseguições que sofreu em Antioquia, Icônio e Listra (3:11) e garante que todos quantos desejassem viver piedosamente em Cristo Jesus seriam perseguidos também (3:12). 

Por esses motivos (tempos difíceis e perseguições), Paulo aconselha: Prega a palavra, prepara-te, quer seja oportuno, quer não… encarando tempos difíceis, ou não… sofrendo perseguição, ou não… porque haverá tempo em que o seu rebanho não suportará a sã doutrina (4:3). Ou seja, não deixe para fazer amanhã o que você pode fazer hoje pelo seu rebanho, mesmo que isso seja inconveniente para você. Portanto, esteja pronto! 

Pregar a palavra em tempo oportuno ou inoportuno era uma preocupação do pregador pelo seu próprio bem-estar, não dos ouvintes!

Doutrina

A palavra traduzida por doutrina é διδαχῇ /didachē/, que também pode significar instrução ou ensinamento. Portanto, trata-se de um substantivo feminino e não do verbo doutrinar no imperativo.

Algumas pessoas poderiam considerar que Paulo realmente recomendou a pregação evangelística quando disse: “Prega a palavra… e doutrina”, como se a palavra doutrina fosse o verbo doutrinar no imperativo em paralelo com o verbo pregar.  Não se trata do emprego de dois imperativos, sugerindo uma progressão da evangelização ao discipulado.

Conclusão

“Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo”- 2Tm 4:2 [NVI]. Esse também é o apelo de Paulo para cada um de nós. Devemos estar prontos para pregar a palavra, quer seja oportuno, ou não.

Hoje, gozamos de certa liberdade, mas, amanhã, poderemos enfrentar perseguições e muitas outras dificuldades para pregar a tão preciosa Palavra. Estaremos prontos! Isso é o que importa. 

Preparar-nos-emos, porque entendemos corretamente a mensagem de 2 Timóteo 4:2. E não pregaremos de maneira inconveniente, importunando os ouvintes, uma vez que conhecemos a maneira mais apropriada de anunciar as boas novas de Cristo!

“…estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo” 1 Pedro 3:15-16

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