Cosmovisão

Calvino falando em línguas? Uma análise séria das evidências

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Por Breno Macedo

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Foi publicado recentemente no site CPAD News uma notícia intrigante. Calvino teria falado em línguas! O autor do texto, o Sr. Silas Daniel é jornalista, na verdade é chefe de jornalismo, além de ser pastor e escritor. O texto pode ser encontrado aqui.

É importante salientar que tenha Calvino falado em línguas ou não isso em nada valida a prática pentecostal de fazê-lo. Esse tipo de falácia argumentativa é bastante conhecida e é chamada de apelo para autoridade. Tenta-se validar a veracidade de um fato ou pensamento através de alguém que a fez o que a abraçou. Portanto, tenha Calvino falado em línguas ou não, isso não valida ou invalida a prática. A matéria precisa ser lidada de maneira bíblica através de exegese.

Mas esse não é o foco do texto. O que o Pr. Silas tenta fazer é demonstrar que há a possibilidade histórica de que Calvino tenha em um momento de sua vida e ministério experimentado a prática da glossália. Tendo isso em vista seguem os meus comentários.

1. Vamos às fontes!

Para substanciar sua hipóstese o autor recorre a um suposto artigo publicado por um seminário americano. Eis o que afirma o pastor:

“Há 38 anos, mais precisamente na sua edição de 24 de março de 1975, o jornal The Paper, uma publicação do Seminário Teológico Gordon-Conwell, nos EUA, trouxe um artigo, na sua página 6, intitulado “Calvin Speaks Unknown Tongue” (“Calvino Fala Língua Desconhecida”), de autoria de Quent Warford.”

Fazendo uma rápida pesquisa na internet deparei-me com um texto escrito por Jim Darlack, que é ex-aluno da instituição e trabalhava, pelo menos até Setembro de 2009 como bibliotecário no seminário. o Sr. Darlack explica que esse “jornal” era apenas um periódico estudantil. Não é um jornal acadêmico revisado por teólogos. Seria o equivalente ao boletim de notícias do diretório acadêmico de uma universidade. Em outras palavras, é uma fonte de informação sem crédito algum. Um colega do Sr. Darlack, que ensinava Hebraico no seminário, não tinha a menor idéia da existência desse texto e afirmou até que poderia se tratar de uma “pegadinha”.

É nesse texto que o pastor e jornalista Silas baseia sua afirmação.

Você pode conferir o texto o Sr. Darlack aqui.

2. Vamos à fonte da fonte!

No seu minúsculo texto, Quent Warford fala de uma citação que ele encontrou na biografia de Calvino escrita por Beza na qual o Reformador teria revelado ao seu amigo que ele havia experimentado falar uma língua desconhecida durante suas devocionais. Você confere o texto do Sr. Warford aqui.

Temos já aqui dois grande problemas. Primeiro, o Sr. Warford não nos dá mais nenhuma informação sobre a fonte que consultou. Tirando o nome da obra, ele não cita ano de publicação, quem a publicou, nem muito menos a página onde se encontra o relato. Não há referência alguma para que se possa confirmar se tal afirmação é verdadeira!

Warford afirma que foi muito difícil chegar até tal documento, tendo ele que acessar uma sala chamada de “o cofre” onde ficavam livros raros. Não seria lógico que tal descorberta, sendo verdadeira, seria preservada? Não teria o aluno levado seu achado aos seus professores de história da igreja para que ficasse registrado e fosse divulgada a sua grande descorbeta? Não taria aparecido depois em jornais acadêmicos de verdade como o Calvin Theological Journal, ou o Church History, tal informação? Pois é! Mas nada disso aconteceu. Nem Warford cita sua fonte de maneira que ela possa ser confirmada nem nenhum historiador de respeito jamais mencionou tal relato.

O segundo problema é que Warford simplesmente ignora as traduções existentes do texto que ele afirma ter consultado. Diz ele que essa informação foi encontrada na biografia de Calvino escrita originalmente em Latin por Beza e que um amigo, também aluno, teria ajudado na tradução. O problema é que o texto, escrito em 1975, ignora traduções do mesmo texto para a língua inglesa feita por homens gabaritados e que já estavam disponíveis desde 1836. Essa tradução foi feita por Francis Sibson e está disponível gratuitamente no Google Books. Você pode consultá-la aqui. A outra foi feita por Henry Beveridge que também traduziu As Institutas do mesmo autor. Ao invés de comprar sua tradução com as já disponíveis, o autor simplesmente finge que elas não existem.

Pior, quando analisadas as traduções disponíveis nada é encontrado sobre esse episódio. Como a tradução de Sibson está escaneada no Google Books, faça você mesmo essa experiência. Busque por palavras tipo “tongues”, “language”, “barbarian”, “pagan”, ou “cursed”. Você nada encontrará no que diz respeito a essa tal experiência que Calvino teve.

Entretanto, é essa a única fonte que o pastor e jornalista Silas utiliza para dar suporte a sua matéria.

3. Calvino falando em línguas? Fala sério!

Considerando essas evidências será que dá para acreditar no artigo do Pr. Silas? Será que de fato existe suporte histórico para tal afirmação? Acreditar, com base nessas fontes, que Calvino falou em línguas é o mesmo que acreditar que Michael Jackson descobriu o Brasil!

O que o Pr. Silas Daniel poderia fazer para tornar seu artigo, de fato, confiável? Seguem aqui algumas sugestões:

Encontar no original escrito por Beza, em Latin, o mesmo texto que o Sr. Warford afirma ter encontrado. Talvez vocês esteja pensando: “mas essa é uma tarefa muito difícil, que tem acesso a tal livro?” Por incrível que pareça não é difícil não, basta consultar uma base de dados chamda EEBO (Early English Books Online) que lá tem todo o tipo de literatura, tanto em Latin como em outras línguas, dos mais diversos autores, para serem consultadas. Basta ir lá e procurar.

Encontrar um estudioso de Calvino que corrobore com essa afirmação. Homens como Richard Muller, Bruce Gordon, Herman Seldernhius, ou Paul Helm são acadêmicos reconhecidos e renomados, todos eles escreveram bastante sobre Calvino, têm acesso às fontes primárias e certamente, sendo tal afirmação verdadeira, poderão confirmar sua veracidade.

Encontrar o Sr. Quent Warford, certamente ainda vivo, e arguí-lo sobre a veracidade do seu texto. Foi mesmo sério ou foi uma pegadinha? Se foi sério, onde está a evidência histórica?

Isso é o mínimo que eu espero do Pr. Silas Daniel, como jornalista e como servo do Deus vivo que ama a verdade e odeia a mentira. Seria isso o que eu faria como pastor e teólogo se eu quisesse ser levado a sério.

É triste perceber que o Pr. Silas começa com uma hipótese e termina com uma certeza. Na conclusão do seu texto ele escreve de forma enfática, tirando lições para seus leitores:

“Bem, vejamos: Calvino, em suas orações devocionais, falou, estranha e espontaneamente, em uma língua desconhecida por ele, o que o deixou impressionado. Como temia que tivesse falado em uma língua parecida com a de um povo pagão do passado, temeu não ser uma experiência sadia. Em seguida, comentou com seu amigo e confidente Beza, e depois deixou para lá o caso.”

O que se tornou certeza para o Pr. Silas, em nenhum momento deixou de ser mera possibilidade para a sua própria fonte como é claramente expresso pelo Sr. Warford:

“Esse assunto foi apenas um detalhe para Beza, que dedica a ele apenas poucas sentenças em De Vitam Iohannes Cauvin. A preocupação de Calvino era apenas uma matéria de linguística. Portanto, não existe material primário suficiente para construir um caso de uma maneira ou de outra.”

Fica aqui a lição para todos nós: se for usar exemplos da história da Igreja esteja pronto para fornecer sempre as fontes primárias ou, então, caia no descrédito.

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Fonte: Blog do autor

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