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Mercosul dominado pelo Foro de SP: a democracia jogada no lixo

Mercosul dominado pelo Foro de SP: a democracia jogada no lixo
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Tão ilegal e ilegítima quanto a incorporação da Venezuela ao Mercosul é a permanência incólume desse Estado dentro da organização.

A cada dia se intensificam as perseguições aos dissidentes do governo de Maduro.

Teoricamente, a democracia é indispensável ao processo de integração do Mercosul. Mas contrariando parte de seu próprio corpo normativo, quase todos os Estados Partes da organização, desde pelo menos 2012, vêm interpretando e aplicando as normas relativas à democracia de modo seletivo, arbitrário e antidemocrático.
O art. 1 do Protocolo de Ushuaia I (doravante PU-1) diz que “a plena vigência das instituições democráticas” é condição essencial para a integração mercosulina. Por essa razão, o PU-1 prevê a possibilidade de suspender o direito de um Estado Parte de participar dos órgãos do Mercosul quando nesse Estado se verifica uma ruptura com a ordem democrática.
Invocando retoricamente a defesa das instituições democráticas mencionadas no PU-1, no dia 29 de junho de 2012, na Reunião de Cúpula de Presidentes, realizada em Mendoza, os Presidentes da Argentina, do Brasil e do Uruguai, decidiram suspender a participação do Paraguai nos órgãos do Mercosul e declararam a incorporação República Bolivariana da Venezuela como membro pleno da organização. A justificativa para a suspensão foi a alegação de que a deposição do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, foi um julgamento político que teria se dado de modo sumário e sem o devido processo legal.
Ocorre, no entanto, que deposição de Lugo por meio de um julgamento político foi legítima e constitucional[1], e não desfez e nem rompeu a ordem democrática. Tudo se deu de forma mais ou menos pacífica, sem distúrbios sociais no território paraguaio. As instituições democráticas foram mantidas. Entretanto, a esquerda latino-americana não tardou a chamar a deposição de Lugo de “golpe de Estado” e organizações internacionais cúmplices diretas e indiretas da revolução socialista continental ratificaram esse discurso. A Organização dos Estados Americanos, por exemplo, entendeu ser “inaceitável o julgamento político contra o presidente constitucional e democraticamente eleito”, destacando que o procedimento “afeta a vigência do Estado de Direito no Paraguai”[2]. Também merece destaque o pronunciamento Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, que disse que a deposição de Lugo “foi um retrocesso para a democracia”[3].
Como se não bastasse o uso retórico do PU-1, os Estados que decidiram pela suspensão do Paraguai aplicaram-na arbitrariamente. Nos termos do PU-1, a suspensão só pode ser aplicada após a realização de consultas prévias que devem ser buscadas e promovidas pelos Estados que julgam ter havido ruptura democrática em um dos Estados partícipes do Mercosul. Os Estados que decidiram pela suspensão do Paraguai, na contramão das melhores técnicas de solução de controvérsias admitidas no direito internacional[4] e, desrespeitando o PU-1, não se valeram de consultas/negociações diretas prévias, revestindo de ilegalidade e ilegitimidade a suspensão. O PU-1 só foi utilizado para dar um “ar” de juridicidade ao arbítrio.
Tão arbitrária quanto a decisão que suspendeu o Paraguai foi a declaração subsequente dos Presidentes da Argentina, do Brasil e do Uruguai (feita na mesma Reunião de Cúpula de Presidentes anteriormente mencionada) que incorporou a República Bolivariana da Venezuela como membro pleno do Mercosul, principalmente por não ter o Paraguai, na condição de membro pleno do Mercosul, participado dessa decisão, violando-se assim a unanimidade exigida pelo art. 20 do Tratado de Assunção.[5]
Em nome da democracia, de modo antidemocrático e sem bases jurídicas, suspendeu-se o Paraguai e incorporou-se a República Bolivariana da Venezuela como membro pleno do Mercosul.
A concepção de democracia que está se desenvolvendo no âmbito do Mercosul é perigosa. É uma concepção que não valoriza as instituições e os elementos que favorecem as democracias. A democracia mercosulina torna-se cada vez mais antidemocrática, mais bolivariana.
Em que pese o presidencialismo na América Latina tenha uma força simbólica, e embora o Protocolo de Montevidéu (também conhecido como Ushuaia II) – documento elaborado às pressas para proteger os presidentes dos Estados Partes do Mercosul que forem ligados ao Foro de São Paulo contra situações como a que destituiu Lugo – force uma identificação entre democracia e governante, um Estado Democrático de Direito não se resume à figura de seu presidente. Uma democracia envolve uma série de institutos e instituições e depende de uma série de condições[6] (liberdade de expressão e de imprensa, aceitação das dissidências, liberdade econômica, etc.).
Há anos a democracia venezuelana vem sendo corroída pelos governos socialistas de Chávez e de Maduro. A decisão que incorporou a República Bolivariana da Venezuela desconsiderou os inúmeros atentados às instituições democráticas perpetrados por Hugo Chávez. Os ataques às instituições democráticas deveriam ter desencorajado essa nefasta decisão.
Tão ilegal e ilegítima quanto a incorporação da Venezuela ao Mercosul é a permanência incólume desse Estado dentro da organização. Nenhum compromisso democrático foi exigido de Hugo Chávez e provavelmente nada será exigido do governo de Nicolás Maduro.
Maduro está concluindo o processo de destruição das instituições democráticas venezuelanas iniciado por Hugo Chávez. A situação política na Venezuela é crítica. A cada dia se intensificam as perseguições aos dissidentes do governo de Maduro. Diante desse cenário, o Protocolo de Ushuaia I, usado de modo absolutamente errado contra o Paraguai, deveria ser utilizado para se exigir de Maduro respeito ao que resta de democracia na Venezuela, porém, dificilmente será usado, pois, ao que tudo indica, o PU-1 não se aplica aos companheiros do Foro de São Paulo. É mais provável que outro protocolo, o Protocolo de Montevidéu (Ushuaia II) venha a ser invocado, não para salvaguardar a democracia, mas para proteger Nicolás Maduro [7].
A aplicação seletiva e arbitrária das normas do Mercosul relativas à democracia é uma das evidências de que o Mercosul está sendo apropriado indevidamente (se é que já não foi), nos planos institucional e conceitual, pelo Foro de São Paulo.

Notas:
[1] O julgamento político pelo qual Lugo foi deposto, está expressamente previsto na “Sección VI” da Constituição do Paraguai. Por essa razão, Luiz Felipe Lampreia, ex-chanceler brasileiro, que foi, diga-se, um dos elaboradores do Protocolo de Ushuaia, destacou que o julgamento político de Lugo “foi um processo constitucional”, não havendo, portanto, motivo suficiente para a suspensão do Paraguai do Mercosul.
[2] Destituição de Lugo é retrocesso da democracia no Paraguai. 23 jun. 2012. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2012/06/23/interna_internacional,302033/destituicao-de-lugo-e-retrocesso-da-democracia-no-paraguai.shtml> Acesso em: 19 de jun. de 2015.

[3] Idem.

[4] Em que pese o fato de o direito internacional prever como meio pacífico de solução de controvérsias o uso de sanções como a suspensão, o uso de medidas coercitivas não pode ser vista como medida inicial para a solução das controvérsias. O uso de sanções só se justifica quando esgotados os meios diplomáticos, dentre os quais estão as negociações diretas (Cf. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2002). A diplomacia, diz Klaus Raupp, “detém uma situação proeminente frente a qualquer outro meio que busque solucionar questões internacionais” (RAUPP, Klaus da Silva. Solução de controvérsias entre os Estados-Partes do Mercosul in: RODRIGUES, Horácio Wanderlei (org.). Solução de controvérsias no Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 43-44).

[5] A incorporação da Venezuela, convém destacar, só foi possível porque o Paraguai foi suspenso, haja vista que esse mostrava-se bastante reticente com relação à incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul.

[6] Cf. DAHL, Robert Alan. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.
[7]Art. 4 do Protocolo de Montevidéu – “Quando o Governo constitucional de uma Parte considerar que está ocorrendo em sua jurisdição alguma das situações indicadas no artigo 1 poderá solicitar aos Presidentes das Partes ou, na falta destes, aos Ministros das Relações Exteriores em sessão ampliada do Conselho do Mercado Comum, através da Presidência Pro Tempore, colaboração para o fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática”. O artigo 1 mencionado acima diz o seguinte: “O presente Protocolo será aplicado em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, de uma violação da ordem constitucional ou de qualquer situação que ponha em risco o legítimo exercício do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos”.

 

Saulo de Tarso Manriquez é mestre em direito pela PUC-PR.

Fonte: Mídia sem Máscara

Divulgação: Eismeaqui.com.br

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