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“Adorar a Jesus é idolatria”

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Por Marcelo Berti

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“Adorar a Jesus é idolatria,” de acordo com a Sociedade Torre da Vigia [STV]. De acordo com essa entidade religiosa, “a Bíblia deixa bem claro […] que a adoração — no sentido de reverência e devoção religiosas — deve ser dirigida unicamente a Deus. Moisés o descreveu como ‘um Deus que exige devoção exclusiva’.” [É correto adorar a Jesus? – Despertai, 2000, pp.27]. Oferecer adoração a Jesus Cristo seria uma violação desse princípio, e portanto, um ato de idolatria. De acordo com a STV, Jesus é digno da nossa homenagem, mas não da nossa adoração, afinal, apenas Jeová é digno de adoração.

Introdução – O Argumento da STV

De acordo com a STV, o termo recorrentemente usado no NT para descrever aquilo que os cristãos chamam de adoração é na verdade um ato de reverência apenas, uma prestação de homenagem. Em Hb.1.6, por exemplo, a Tradução do Novo Mundo, a bíblia produzida pela STV, evita o termo adoração e adota o a expressão prestar homenagem: “Mas, ao trazer novamente o seu Primogênito à terra habitada, ele diz: E todos os anjos de Deus lhe prestem homenagem.” [TNM]. A justificativa para essa tradução se encontra no fato de que, de acordo com a STV, o termo προσκυνέω (proskynéö) usado nesse verso pode significar tanto adoração (no sentido religiosos) como uma reverente homenagem (sem sentido religioso).

O primeiro sentido, de acordo com a STV é claramente visto em Mat.4.10, no qual lemos: “Jesus disse-lhe então: “Vai-te, Satanás! Pois está escrito: ‘É a Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que tens de prestar serviço sagrado.’” [TNM]. Já o segundo sentido é encontrado em 1Reis, no qual a Septuaginta [LXX], a tradução grega do AT, usa προσκυνέω para descrever a atitude de Natã diante de Davi: “Informaram imediatamente o rei, dizendo: “Aí está Natã, o profeta!” Depois ele entrou perante o rei e prostrou-se diante do rei com o rosto por terra.” [TNM].

De acordo com esses dois exemplos é possível perceber um pouco da abrangência semântica do termo προσκυνέω, que é realmente usado sem qualquer conotação religiosa. A questão é, portanto, relacionada ao critério que se define quando o sentido religioso está presente e quando o sentido não-religioso de προσκυνέω está sendo utilizado. Para a STV, o critério é simples: Se o termo προσκυνέω é usado em referência a Deus o sentido religioso deve estar presente. Se o mesmo termo é usado em referência a qualquer outra pessoa o sentido não-religioso pode ser utilizado de acordo com o contexto. Entretanto, a grande pergunta que fazemos é: Como é que a STV sabe que o termo quando aplicado a Cristo nunca tem sentido religioso? Se ambos sentidos são possíveis, qual é o critério a ser usado para definir o sentido expresso pelo autor quando Cristo é o objeto do verbo προσκυνέω?

Uma coisa é afirmar que o termo προσκυνέω pode conotar uma ação não-religiosa, outra é definir que tal conotação acontece em todas as ocasiões na qual os autores se referem a Cristo. Infelizmente, a STV não nos oferece qualquer explicação sobre o critério que usam para definir que o sentido religioso nunca acontece em referência a Cristo, e comete quatro equívocos metodológicos ao introduzir sua teoria semântica de προσκυνέω:

(1) Análise seletiva e pressuposta das evidências: Poucos versos são examinados e apenas aqueles que favorecem a interpretação esperada são tratados. A STV encobre as dificuldades para valorizar a própria conclusão e com isso induz o indouto a pensar que tal análise é satisfatória e que tal conclusão é válida. Na intenção de responder a pergunta, “Jesus recebeu adoração?“, a STV parte do ponto de vista que Jesus não pode receber adoração e analisa seletivamente a evidência léxica e comete a falácia de círculo viciosos: Jesus não recebe adoração no NT, por que Jesus não pode receber adoração.

(2) Citação fragmentada: Quase nenhum respaldo léxico é apresentado satisfatoriamente nos artigos da STV. Por exemplo, no artigo Jesus Cristo do livro Raciocínios, em Hebreus 1.6, o autor apresenta apenas parte da definição de προσκυνέω de acordo com o BAGD, e apenas a parte que contribui com o sentido favorecido pela instituição: “A palavra grega traduzida ‘adorar’ é pro·sky·né·o, que A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature diz que também era “usada para indicar o costume de prostrar-se diante duma pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão”. (Chicago, EUA, 1979, Bauer, Arndt, Gingrich, Danker; 2.a ed. em inglês; p. 716).” A definição apresentada pelo BADG, que tem cinco diferentes nuances, é largamente mais extensa e completa do que a citação fragmentada do artigo dá a entender. Quando a STV cita pela metade para valorizar sua preferência, ela esconder do leitor evidências importantes. Por exemplo, a frase citada do BAGD foi intencionalmente reduzida para validar as conclusões teológicas da STV. É fato que a palavra προσκυνέω “usada para indicar o costume de prostrar-se diante duma pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão“, mas a STV omite o fim da mesma sentença que afirma que tal atitude era realizada “pelos Persas na presença do seus deificados reis e os Gregos o faziam diante de uma divindade ou alguém santo“. Em outras palavras, a STV picota do léxico apenas a informação que lhe convém e esconde o fato de que o BAGD não está falando de um sentido não-religioso do termo. Na verdade, nessa frase o BAGD está enfatizando exatamente o contrário: o ato de prostrar-se diante de uma pessoa e beijar-lhe os pés era uma atitude de religiosa direcionada a divindades ou pessoas tidas como divinas.

(3) Falsa dicotomia: Outro problema latente nas publicações da STV é a falsa dicotomia: Ou A ou B; Ou o termo tem sentido religioso ou não-religioso. Será que προσκυνέω tem campo semântico tão restritivo? Será quando o autor intenciona destacar o sentido de adoração de προσκυνέω ele rejeita completamente o sentido de homenagem ou respeito? Como é possível saber se a ação de prostrar-se é exclusivamente religiosa? Novamente, a STV não apresenta qualquer evidência de que tal conclusão é plausível.

(4) Teologia como base para definição léxica: Em última análise, a STV usa a própria teologia como base para as conclusões léxicas que defende, sem qualquer fundamentação léxica ou sintática. Nenhum estudo do vocábulo é apresentado, ou qualquer discussão léxico-morfológica é apresentada. Na verdade, a evidência apresentada é presumida como suficiente e a conclusão teológica de que Cristonão pode receber adoração guia o estudo do termo de tal forma que Cristo nunca é adorado no NT.

Tendo dito isso, nós precisamos realizar um estudo de vocábulo de προσκυνέω, apresentado seu uso dentro e fora do NT para então oferecer alguns critérios contextuais e morfológicos (não teológicos) que podem auxiliar a identificação do sentido de προσκυνέω no texto bíblico.

A. Análise Diacrônica de προσκυνέω

Termos específicos de um determinado idioma normalmente mudam de sentido e uso no decorrer do tempo. A origem de um determinado termo explica nada mais do que a origem do termo, afinal, com as mudanças culturais e temporais a linguagem, que é volátil, pode atribuir novos sentidos a determinados termos.

Por exemplo, o termo χειροποίητος usado por Paulo em Ef.2.11, era usado na literatura Grega Clássica em como descrição de algo feito pelas mãos, como uma vara (Hdt.1.195) ou um até mesmo um lago (Hdt.2.149). Entretanto, na produção da LXX, o termo foi aplicado como descrição de ídolos feitos por mãos humanas (Lv.26.1, 30; Dn.5.4; 5.23, 6.28; Bel.1.5; Jdt.8.11) de tal modo que eventualmente o termo veio a significar um ídolo propriamente dito (Isa.2.18; 10.11; 16.12; 19.1; 21.9; 31.7, 46.6; Wis.14.8) sem que o uso de εἴδωλα (ídolo) fosse necessário para clarificar o sentido do termo. Em outras palavras, aquele termo que era usado para descrever qualquer coisa feita por mãos humanas no grego clássico, descreve exclusivamente a ídolos na LXX, e passa a ter significa estritamente religioso sem que qualquer intenção religiosa fosse necessária denotada por χειροποίητος no literatura Grega Clássica.

Por isso, nessa seção apresentamos uma análise diacrônica (i.e. através do tempo) para demonstrar como o termo foi usado historicamente e como diferentes sentidos emergem do mesmo. Em nossa apresentação, nós iniciamos com os mais antigos e conhecidos usos do termo e prosseguimos para o período contemporâneo e posterior do NT.

1. O Uso de προσκυνέω na Literatura Grega Clássica

A origem do termo grego προσκυνέω é incerta. Conjectura-se que o termo “originalmente não era nada mais que o termo grego para descrever um fenômeno da vida oriental” (Kittel, Gerhard, Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964), pp.759). O termo é formado por duas palavras gregas: (1) πρός, que pode denotar o sentido de “ante de” e (2) κυνέω, que normalmente descreve o ato de “beijar”; que pode sugerir como o termo era usado. A idéia de prostrar-se é ausente se alguém assume que os termos que formam προσκυνέω são compreensivos na determinação do significado do mesmo. É provável, entretanto, que a idéia de prostrar-se seja implícita no mesmo, pois para beijar os pés de alguém é necessário curvar-se ante ele para fazê-lo. Homero (9-8 séc. a.C.), por exemplo, usa o termo para descrever a atitude de Ulisses e Agamenon que beijam a terra após uma viagem bem sucedida (Hom. Od., 4, 522; 5, 463; 13, 354), o que também mantém implícito o sentido de prostrar-se.

É por isso que na Literatura Grega Clássica [LGC] o termo προσκυνέω é normalmente usado em referência ao costume oriental de prostrar-se ante a reis e superiores, como um ato de respeito e reverência. Herodoto, por exemplo, conta de um ocasião na qual um barco em que Xerxes estava, estava indo à pique. Tomando conhecimento disso, Xerxes pergunta ao comandante se era possível se livrar de alguma coisa para evitar o naufrágio. O comandante por sua vez diz que não há nada no barco que pudesse resolver o problema, exceto eles mesmo. Ao ouvir isso Xerxes teria dito:

“Agora, você precisam provar sua dedicação pelo seu rei, pois me parece que minha salvação depende de vocês” – Ouvindo isso, eles prostraram-se e pularam no mar. O navio, agora muito mais leve, foi desse modo seguro para a Ásia. (Herodotus, Herodotus, with an English Translation by A. D. Godley, ed. A. D. Godley (Medford, MA: Harvard University Press, 1920, Hdt.8.118).

Nesse trecho, não apenas reverência é percebida no ato de prostrar-se, mas também submissão, obediência e reconhecimento de autoridade. A priori, nenhum sentido religioso é evidente aqui. Entretanto, de acordo com BDAG, com esse ato, aqueles que recebem a honra “estão sendo reconhecidos como pertencentes a um reino sobre-humano” (William Arndt, Frederick W. Danker, and Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: University of Chicago Press, 2000), p.882.), o que se sabe ser verdadeiro no caso de Xerxes. Usos similares a esses são recorrentes na LGC (Appian, Mithrid. 104 §489: Pompey; Galen, Protr. 5 p. 12, 2ff ed. WJohn: Sócrates, Homero, Hipócrates, Platão).

Além desse tipo de uso, os gregos também προσκυνέω para descrever um ato de reverente de adoração a divindades. De acordo com o Liddell-Scott-Jones [LSD] o termo é frequentemente usado para descrever o ato de “fazer reverência aos deuses ou suas imagens, cair e adoração” (Liddell, Henry George, Robert Scott, Henry Stuart Jones, and Roderick McKenzie. A Greek-English Lexicon. Oxford: Clarendon Press, 1996, p.1518). Herodoto (c. 484–425 a.C.) usa o termo recorrentemente para descrever um ato de adoração, observe:

O memorial do seu nome deixado por ele foi o pátio oeste do templo de Hefesto; lá ele colocou duas estátuas de 41 pés de altura; o mais setentrional dos mesmos os egípcios chamam de Verão, e o meridional de Inverno; o que eles chamam de Verão, eles adoram e tratam bem, mas fazer o oposto à estátua chamada Inverno. (Hdt.2.121; Herodotus.Herodotus, with an English Translation by A. D. Godley. Edited by A. D. Godley. Medford, MA: Harvard University Press, 1920.)

Uso similar é também utilizado por Ésquilo (m. 456 a.C.) que afirma:

Mas naquela noite deus despertou inverno antes do seu tempo e congelou o fluxo de sagrado Strymon de costa a costa. Muitos homens que antes tinham os deuses em nenhum estima, implorou-los, em seguida, em súplica, adorando a terra e ao céu. Mas depois que nosso anfitrião terminou sua fervorosa invocação dos deuses ele aventurou-se a atravessar a corrente ligada à gelo (Aeschylus, Aeschylus, with an English Translation by Herbert Weir Smyth, Ph. D. in Two Volumes. 1. Persians, ed. Herbert Weir Smyth (Medford, MA: Harvard University Press, 1926).

Nessa citação, a expressão “a terra e ao céu” não representa a terra e céu como lugar, mas como metonímia o autor se refere a todo o panteão grego, como clarifica a sentença seguinte. A fervorosa adoração dos deuses é a descrição dessa reverência apresentada aos deuses gregos. Esse sentido é comum e frequente na LGC e frequentemente o objeto de προσκυνέω é acusativo (cf. S.OC1654, A.Pers.499, Ar.Eq.156; A.Pr.936; Pl.R.451a; S.Ph.776), como era de se esperar desse tipo de construção. Com conceito similar, os gregos também usavam προσκυνέω em reverência a lugares sagrados (Id.El.1374; Pl.R.469b; D.19.314). Xenofonte (430-355 a.C), faz um interessante uso do termo, observe:

Como sinais de essas vitórias podemos, de fato, ainda contemplar os troféus, mas o mais forte testemunho para eles é a liberdade dos estados em que nasceram e foram criados; por que não se deve prostrar-se ante a nenhuma criatura como mestre, mas aos deuses apenas. (Xenophon, Xenophon in Seven Volumes, 3, trans. Carleton L. Brownson (Medford, MA: Harvard University Press, Cambridge, MA; William Heinemann, Ltd., London., 1922) )

Como é evidente, προσκυνέω é utilizado como terminus technicus para descrever a adoração de divindades na LGC. Do ponto de vista histórico,

o uso [de προσκυνέω] mudou [com o tempo] de um gesto externo para a atitude interior. Os primórdios devem ser procuradas nos trágicos. Assim, Neoptolemos em Soph. V 6, p 760 Phil., 656 f. manifesta o seu respeito ao prostrar-se ante a Héracles […]. A palavra torna-se mais geral mais tarde,embora o uso original tenha persistido. A deificação dos governantes, que começou a partir de Alexandre, o Grande e culminou com o culto do imperador de Roma, sem dúvida, teve uma influência decisiva na história da palavra. (Kittel, Gerhard, Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964, pp.759-760)

2. O Uso de προσκυνέω na Septuaginta

A datação da Septuaginta (LXX) é um assunto controverso, mas sabe-se que não tenha sido produzida antes do 2 séc a.C. Nesse período, o termo προσκυνέω já era frequentemente utilizado para descrever o ato de prostar-se como um reverente ato de reconhecimento de autoridade e/ou divindade. O termo é utilizado 171 vezes e traduz o termo hebraico hwh 164x, que sugere que na LXX προσκυνέω majoritariamente inclui o sentido de prostrar-se. O termo hebraico hwh é normalmente usado para descrever o ato de prostrar-se ao chão (Gen.18.2), ante a algo (Dt.4.19) ou alguém (Gen.27.29). É também utilizado para descrever o ato de implorar (1Sm.2.36), suplicar (Gn.33.7), bem como o ato de adoração ao Deus de Israel, como um de reverência e honra, como feito aos reis humanos (Sal.5.8) ou como um ato de adoração exclusiva a YHWH (Sal.99.5). De modo interessante, na LXX προσκυνέω engloba todos esses sentidos e traduz todos esses versos.

Eventualmente, προσκυνέω também traduz o termo hebraico sagar, que normalmente denota adoração (Is.44.15-17, 19). Também traduz nashaq usado para descrever o ato de beijar (1Re.19.18), abad também usado para descrever adoração (Sal.98.7) e karaque reflete o prostrar-se diante de um rei (Est.3.2) ou do próprio Deus em reverente adoração (Sal.22.30; 72.9).

Cerca de um terço dos usos de προσκυνέω na LXX é usado para descrever o sentido de adoração (Lust, Johan, Erik Eynikel, and Katrin Hauspie. A Greek-English Lexicon of the Septuagint : Revised Edition. Deutsche Bibelgesellschaft: Stuttgart, 2003.), seja a YHWH (Gen. 22:5; 24:26, 48, 52; Ex. 4:31; 24:1; Dt. 26:10; Sal. 5:7; 29:2) ou a falsos deuses (Ex. 20:5; 23:24; 34:14; Dt. 4:19; 1Re. 22:53; 2Re. 5:18; Is. 2:8; 44:17). Isso acontece por que o termo hebraico hwh também é usado no AT como terminus technicus para veneração de divindades. Quando προσκυνέω é usado dessa forma, ele é usado como sinônimo de λατρεύεω (latreúö – adorar), com sentido estritamente religioso.

Na LXX προσκυνέω é recorrentemente usado para descrever o ato de prostar-se ante a alguém importante ou superior, como Davi o fez ante a Saul (1Sa 24:9), Bateseba e Natã ante a Davi (1Re. 1:16, 23, 31); Jacó ante a Esau (Gn. 33:3–7); os filhos de Jacó ante a José (Gn. 37:9, 10; 42:6; 43:26, 28) e Rute ante a Boaz (Rt. 2:10). O que é interessante nesses usos é que “mesmo onde προσκυνεῖν parece ser não mais do que um gesto de gratidão ou um ato de respeito afetuoso, está sempre expresso no ato o reconhecimento de aquele que recebe tal honra é instrumento de Deus” (Gerhard Kittel, Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich, eds., Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964), p.761).

Um fenômeno interessante a ser observado na LXX é que eventualmente o objeto de προσκυνέω ao invés de ser acusativo, como vimos na LGC, é utilizado o dativo. Normalmente, o dativo não é utilizado como objeto direto, exceto na LXX quando utilizado com verbos de adoração como προσκυνέω. A razão para essa distinção pode ser explicada pela influência semítica na produção do texto da LXX e serve para demonstrar a liquidez do idioma. Esse uso inovador aqui, torna-se mais comum com o tempo e, como veremos a frente, desempenha um interessante papel no NT.

3. O Uso de προσκυνέω no Grego Koine (fora do NT)

O grego Koine, também conhecido como grego comum, era o idioma falado no nível de conversação informal. Esse tipo de grego é normalmente datado entre o 3 séc. a.C. e o 3 séc. d.C. Nesse período encontram-se muitos manuscritos em grego sobrevivente nos quais podemos verificar como προσκυνέω era utilizado. Destaca-se entre esses manuscritos, os Papiros de Oxirrinco, uma coleção de documentos datados do primeiro ao quarto século que contém cartas, lista de compras, porções de livros clássicos entre outras coisas.

Nesse período o sentido de respeito, reverência e submissão também é visto em προσκυνέω. Uma serva pode prostrar-se ante a seu senhor em reverente submissão (P Giss I. 1114,118 d.C.; BGU II. 42315, 2 séc. d.C). O termo é também usado sem objeto, i.e, como verbo intransitivo em descrição de atividades religiosas (P Par 4932, 161 d.C; Syll 807, P Tebt II. 4167,2 séc. d.C).

De modo geral προσκυνέω é empregado no primeiro século para descrever a veneração de divindades (cf. P Flor III. 33211) e nas inscrições Ptolomaicas, o termo jamais vem acompanhado de dativo como objeto direto (cf. OGIS 1845). Eventualmente o sentido de προσκυνέω é análogo a λατρεύεω (adoração) e a φοβέω (temor, medo, respeito) e é também usado como em referência a veneração de seres humanos, como no caso Trajano, o deificado imperador romano (cf. P Tebt II. 28622, 121–138 d.C). Como já mencionado, a adoração do imperador Romano atribuiu grande influência ao uso do termo, especialmente no primeiro século de tal modo que o προσκυνέω passou a ser usado como terminus technicus para adoração de divindades, sejam elas humanas, ídolos ou até mesmo para Deus. (Milligan, G., and James Hope Moulton. Vocabulary of the Greek Testament (Greek Edition). Peabody, MA: Hendrickson Pub, 1997, p.549).

4. O Uso de προσκυνέω na Literatura Judaica

Na literatura judaica ‘contemporânea’ do NT, nós encontramos três diferentes fontes de informação: Filo de Alexandria (20 a.C. – 30 d.C) e Flávio Josefo (37-100 d.C) e a Literatura Rabínica (org. 2 séc?). Filo de Alexandria, usa προσκυνέω majoritariamente em descrição de um ato reverente ante a alguém superior. Quando Filo descreve a criação do homem, ele afirma que era necessário que o homem fosse o último a ser criado, pois assim poderia com isso impor terror/respeito entre a criação com sua presença, e completa: “Por que convinha que, assim que eles o vissem pela primeira vez eles o admirassem e prestassem homenagem a ele como seu regente natural e mestre” (Charles Duke Yonge with Philo of Alexandria, The Works of Philo: Complete and Unabridged (Peabody, MA: Hendrickson, 1995), p. 13.). Nesse texto, προσκυνέω é usado de modo paralelo a φοβέω, como respeito, ou até mesmo a τιμάω (honra), mas não a λατρεύεω (adoração) com sentido religioso.

Entretanto, eventualmente Filo utiliza προσκυνέω em referência a adoração, veneração. Quando fala sobre o problema da pobreza, ele afirma:

E todos os pobres possuem uma terrível doença, o amor ao dinheiro, mas, não tendo eles mesmos riqueza alguma que pudesse ser digna da atenção deles, eles fixam sua admiração na riqueza alheia, e, com o propósito de oferecer adoração a ela, vão pela manhã para a casa daqueles que tem em abundância, como se fossem templos nobres onde estão indo para fazer orações, e suplicar bençãos dos seus donos como se fossem deuses. (Charles Duke Yonge with Philo of Alexandria, The Works of Philo: Complete and Unabridged (Peabody, MA: Hendrickson, 1995), p.536)

De modo interessante, em Filo προσκυνέω é usado com sentido de adoração, mas normalmente não é utilizada em referência à adoração verdadeira. Mesmo quando Filo utiliza em referência ao templo, dia da redenção ou a própria escritura (Leg. Gaj., 310; Vit. Mos., II, 23, 40) segue-se a isso uma advertência contra a idolatria (Decal., 4.).

Flávio Josefo usa προσκυνέω 98x e, diferente de Filo, segue mais de perto o padrão da LXX e o atribui à adoração de YHWH (Ant.6.55, 154; 7.95; Bell., 1.71, 2.341, 5.99), falsos ídolos (Ant. 6.2; Ag.Apion 1.239, 261) e da prática oriental de prostrar-se ante a alguém superior. É verdade que ele prefere utilizar σεβέω, τιμάω e θρησκεύεω para descrever a adoração do Deus de Israel (Ant., 3, 91; 8, 248; 9, 133; Horst, 113), mas eventualmente προσκυνέω é usado com o mesmo sentido desses termos. Em um desses casos, Josefo conta a história de Doras, que junto com os amigos e com a intenção de assaltar Jonatas,

foram até a cidade [de Jerusalém], como se estivessem indo para adorar a Deus, enquanto tinham adagas debaixo de suas roupas, com isso conseguiam se misturar com a multidão (Ant. 20:164)

Josefo frequentemente utiliza προσκυνέω em relação para descrever o ato de prostar-se ante a um rei (Ant., 6, 285; 7, 187, 349, 354) ou um profeta (Ant., 8, 331) quando menciona um fato passado, seguindo provavelmente o texto da LXX, mas o evita quando descreve uma situação do seu próprio período (Bell., 2, 336, 350, 360). Ele também emprega προσκυνέω em referência tanto ao Templo (Ant., 13, 54; 20, 49; Bell., 2, 341; 5, 381) como à Torá (Ant., 12, 114; Ep. Ar., 177 and 179), e em ambos um sentido de respeito e apreço é apresentado, não o de veneração ou adoração. Josefo também o usa para descrever a veneração de Alexandre o Grande a ὀ ὀνομα (o nome), uma provável referência ao Deus de Israel (Ant., 11, 331).

Na literatura Rabínica προσκυνέω, além de manter a idéia de respeito e reverência a pessoas importantes como aos próprios Rabis (b. Ket., 63a ; Str.-B., I, 519 on Mt. 9:18); j Pea, 1, 1 (15d, 28f); b. Sanh., 27b; Str.-B., I, 996 on Mt. 26:49), agora assume um sentido estritamente religioso não comumente encontrado em outros lugares. O termo é usado para descrever o ato da prostrar-se para orar (Str.-B., II, 259; cf. Lc.22.41). o Rabi Akiba (morr. c.134 d.C.) é descrito em várias ocasiões como se prostrando para orar (T. Ber., 3, 5 (6); Str.-B., II, 260), bem como o Rabi Gamaliel (morr. c.70 d.C.) (b. Sukka, 53a Bar; Str.-B., II, 261). Essa nuance, apresentada apenas eventualmente em outros lugares é aqui a descrição do uso religioso da mesma.

5. O Uso de προσκυνέω nos Pais Apostólicos

No período posterior ao NT, homens convertidos ao Cristianismo passaram a escrever a respeito da doutrina cristã para cristãos. Normalmente são chamados de Pais Apostólicos os líderes da igreja primitiva entre uma e duas gerações dos apóstolos, como por exemplo Clemente de Roma, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna. Também se inclui alguns textos cristãos primitivos entre eles, como o Pastor de Hermas, Didaquê e a Carta a Diogeneto, pelo fato de terem sido escritas durante esse período.

Nesses documentos προσκυνέω tem sentido exclusivo de adoração, ou seja, denota o mesmo sentido de λατρεύεω, e normalmente descreve a adoração de deuses falsos, seguindo o costume de Filo e Josefo. Clemente de Roma (morr. c. 99 d.C.), por exemplo, conta que no passado “éramos deficientes de conhecimento, adorando pedras, madeira, ouro, prata e bronze produto de mãos humanas; e nossa vida era nada mais do que morte” (2Cl.1.6). Em outro lugar na mesma carta, Clemente também afirma que os cristãos “não devem adorar deuses mortos” (2Cl.3.1). Do mesmo modo, na carta a Diogeneto lemos seu autor alerta seus leitores sobre os ídolos, feitos por mãos humanas, que eles adoram (Diog.2.4-5). O mesmo pode ser dito do que encontramos no livro Martírio de Policarpo, que o descreve como o mestre de Esmina: “Este é o mestre da Ásia, o pai dos Cristãos, e aquele que destruiu os seus deuses, e que vem ensinando a não sacrificar ouadorar os deuses” (MPo 12.2).

Apenas uma única vez προσκυνέω não é usado sem referência a falsos ídolos. No livro que descreve o Martírio de Policarpo, o autor descreve um discurso de Policarpo nos seguintes termos:

“Por que a Ele [Cristo], nós adoramos como Filho de Deus, mas aos mártires, como discípulos e seguidores de Cristo, nós dignamente os amamos por sua extraordinária afeição ao nosso Rei e Mestre, de quem nós também seremos feitos parceiros e co-díscípulos com eles” (MPo 17.3).

Nesse uso, fica evidente a distinção entre respeito, homenagem e reverência adoração. Jesus Cristo era adorado, os apóstolos, discípulos e mártires apenas respeitosamente amados.

6. Sumário e Conclusão

Como fica evidente em nossa demonstração acima, o termo προσκυνέω foi usado com significativa e ampla gama de significados. Ao que parece, o termo foi usado primariamente para descrever o ato de beijar, como sinônimo de κυνέω. Em Homero, o ato de beijar o chão também incluia o conceito de prostrar-se que com o tempo parece ter se tornado a ênfase do termo.

O ato de prostar-se também passou a incluir o sentido de respeito, submissão e reconhecimento de superioridade ante autoridades. Apenas eventualmente e especialmente na LXX, o termo é usado para descrever o ato de prostrar-se para suplicar favor ou implorar ante a uma autoridade ou alguém reconhecido como superior, ou até mesmo entre iguais com a implícita atitude de humildade.

Entretanto, προσκυνέω é recorrentemente usado para descrever um ato de adoração, seja entre os pagão, seja entre os judeus. Na LXX e na literatura judaica o termo descreve tanto a verdadeira adoração de YHWH como a adoração de falsos deuses. Em Josefo e Filo o termo majoritariamente é usado para descrever a falsa adoração. Entre os gregos, o termo descreve a adoração de entidades divinas, seres humanos, ídolos, templos e objetos sagrados e serve como terminus technicus para adoração. Posteriormente, o termo passa a descrever também o ato de prostrar-se para orar, como descrição estritamente religiosa mas desprovida de implícito conceito de adoração ou veneração. Afirmar que no período do NT o termo era desprovido de sentido religioso, ou que continha sentido religioso apenas quando aplicado a Deus, é evidentemente contrária a evidência apresentada.

O que é interessante em nossa análise é notar que o sentido do termo προσκυνέω no período próximo à produção do NT é usado largamente como descrição de atividades religiosas. É digno de nota que os cristãos posteriores ao NT usaram o termoexclusivamente com sentido religioso de adoração. Também fica evidente que em alguns casos o sentido de adoração, submissão e respeito aparecem na mesma ocasião, demonstrando que a dicotomia apresentada pela STV é falsa e deve ser rejeitada. Também vimos que o campo semântico do termo é muito mais abrangente que o assumido pela STV, o que demonstra que a análise das evidências feita por essa instituição trata-se apenas de uma super-simplificação desnecessária.

B. O Uso de προσκυνέω no NT

Προσκυνέω é 60x no NT em 54 versos, sendo 22 versos em Apocalipse, 13 em Mateus, 7 em João, 4 em Atos, 3 em Lucas, 2 em Marcos, 2 em Hebreus e 1 em 1Coríntios. Diferentes sentido são expressos pelo termo e, portanto, a análise atenta dos mesmos é necessária. Quando προσκυνέω é usado sem objeto o termo é usado como terminus technicus para descrever o ato de adoração ao Deus Verdadeiro (Jo.4:20; 12:20; At.8:27; 24:11; Ap.11:1). Normalmente προσκυνέω tem como objeto um termo no acusativo, como esperado nesse tipo de construção. Entretanto, seguindo o uso apresentado na LXX, também encontra-se no NT o uso de dativo como objeto direto de προσκυνέω. Esse fenômeno não é incomum no NT, aliás, verbos como πιστέω (crer, confiar), ύπακούω (obedecer), διακονέω (servir), λατρέυω (adora), εὐχαριστέω (agradecer) e ἀκολουθέω (seguir) frequentemente são acompanhados por dativos como objetos direto. De modo interessante, são todos verbos relacionados a algum comportamento associado a Deus. O dativo talvez tenha sido preferido com esses verbos por que é o caso grego que sugere relacionamento pessoal, e portanto, apropriado para descrever atividades religiosas dirigidas a Deus.

É interessante notar que no NT a adoração apresentada com προσκυνέω quando seguida de acusativo, normalmente descreve o tipo de adoração falsa (Ap.9.20; 13.8, 12; 14.9, 11; 20.4), ao passo que a adoração a Deus é normalmente descrita com dativo (Jo.4.21; 1Cor.14.25; Ap.4.10; 7.11; 11.16; 19.10; 22.9). Entretanto, esses usos não são exclusivos, afinal a adoração a Deus também é apresentada com acusativo (Mat.4.10), do mesmo modo que a adoração de falsos deuses também é apresentado com dativo (At. 7.43; Ap.13.4; cf. v.15; 16.2; 19.20). Entretanto, é possível que o dativo seja usado quando uma relação pessoal está em vista, ao passo que o acusativo apresenta uma adoração mais distante. (Wallace, Daniel B. Greek Grammar Beyond the Basics. Enlarged ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1997), pp.172-173). Em outras palavras, quando o dativo é usado o sentido de adoração pessoal é enfatizada ao passo que com o acusativo a adoração pessoal não é a ênfase da descrição.

1. Προσκυνέω Aplicado a Deus

Cerca de 23 vezes προσκυνέω é usado em relação a Deus no NT (Mat 4.10; Lc.4.8; Jo.4.21, 23*2; 4.20*2, 24*2; 12.20; At.8.27; 24.11; 1Cor.14.25; Hb.11.21; Ap.4.10; 7.11; 11.16; 11.1; 14.7; 15.4; 19.4, 10; 22.9). Em todos esses texto, sem excessão, o sentido de προσκυνέω é de adoração.

2. Προσκυνέω Aplicado a Ídolos

Apenas uma vez no NT προσκυνέω é usado em referência a idolatria: Em Atos 7.43, lemos: “τοὺς τύπους οὓς ἐποιήσατε προσκυνεῖν αὐτοῖς” (imagens que vocês fizeram com o objetivo de adorar-las). Dificilmente προσκυνέω teria outro sentido aqui. Vale a pena notar que o dativo é utilizado como objeto nessa construção, ainda que a adoração seja completamente desprovida de pessoalidade. Talvez a intenção fosse um vínculo pessoal com a divindade.

3. Προσκυνέω Aplicado a Seres Humanos

No NT, ao contrário do que se pensa é apenas raramente aplicado a seres humanos, ao contrário da LXX, Josefo e Filo que o usam dessa forma com frequência. Três casos são interessantes a serem observados aqui: (1) Em Mat.18.26 lemos ὁ δοῦλος προσεκύνει αὐτῷ λέγων (o servo prostrou-se ante ele dizendo). Nesse caso vemos um uso paralelo àquele encontrado na LXX (2Sam.18.28) no qual o ato de prostrar-se é seguido de uma súplica. Nesse texto, alguns conceitos estão implícitos: (a) Existe da parte daquele que se prostra o reconhecimento da superioridade do outro, haja visto que ele é apresentado como servo ao passo que aquele diante quem ele se prostra é o senhor; (b) Existe por parte do servo um interesse genuíno e pessoal, como o dativo como objeto direto parece sugerir; (c) Não está presente qualquer conotação de devoção ou adoração, mas está implícito que o servo está sujeito à autoridade do seu senhor.

(2) Em Ap.3.9 lemos: “ἰδοὺ ποιήσω αὐτοὺς ἵνα ἥξουσιν καὶ προσκυνήσουσιν ἐνώπιον τῶν ποδῶν σου” (Eu farei com que eles venham prostrem-te ante a seus pés). Embora em Apocalipse a maioria dos usos de προσκυνέω são relacionados à adoração, é altamente improvável que esse seja o sentido aqui. Também é importante notar que o texto não fala de prestação de homenagem. A ênfase do texto recai sobre o devido reconhecimento de que a igreja de Filadéfia era de fato o povo de Deus. A sinagoga de Satanás, os seguidores dos Nicolaítas, um dia prostar-se-ão aos pés da Igreja da Filadéfia, não como adoração, nem prestação de homenagem, como derrotados. Eles serão humilhados por Deus e como derrotados colocados aos pés dos cristãos que mantém a sagrada doutrina dos apóstolos. Aqui προσκυνέω se refere ao ato de prostrar-se, mas esse ato é produzido por Deus contra a vontade dos mesmos, sugerindo sujeição não prestação de homenagem.

(3) Em Atos 10.25 lemos ὁ Κορνήλιος πεσὼν ἐπὶ τοὺς πόδας προσεκύνησεν (Cornélio prostrou-se aos seus [de Pedro] pés e adorou/prestou homenagem). Embora προσκυνέω tenha aqui sido em referência a um ser humano, dificilmente o sentido mais natural do termo está em uso. De fato, a expressão πεσὼν ἐπὶ τοὺς πόδας já explicita o fato de que Cornélio estava aos pés de Pedro. Portanto, προσκυνέω não inclui aqui, em nenhum sentido, o conceito de prostrar-se. Em que sentido então o termo é usado aqui? É difícil precisar se esse é um ato apenas de reverência ou adoração, entretanto, era algo que Pedro sentiu-se compelido a rejeitar (v.26). Caso fosse apenas uma homenagem, era algo que colocaria Pedro em um patamar que não lhe pertencia. Aliás, pela resposta de Pedro, fica evidente que esse é o caso: Ἀνάστηθι· καὶ ἐγὼ αὐτὸς ἄνθρωπός εἰμι (Levanta-te, pois eu sou homem como você). O ato de Cornélio foi entendido por Pedro como se Cornélio reconhecesse Pedro ao menos como alguém sobre-humano, uma atitude plenamente possível para um gentio, mesmo um piedoso como Cornélio. Se Pedro tivesse entendido a ação de Cornélio de modo equivocado, nós esperaríamos a explicação de Cornélio dizendo que era apenas um ato de reverência e nada além disso. Mas, não encontramos no texto nada parecido com isso. Tudo o que se pode dizer com segurança é que a atitude de Cornélio era algo que Pedro deveria rejeitar.

Vale a pena notar que resposta similar a essa foi dada por Paulo e Barnabé em rejeição ao reconhecimento de que eles eram deuses encarnadados em Listra (At.14.8-15): Ἄνδρες, τί ταῦτα ποιεῖτε; καὶ ἡμεῖς ὁμοιοπαθεῖς ἐσμεν ὑμῖν ἄνθρωποι (Homens, que fazem? Nós somos de natureza humana como vocês). Ou seja, a atitude de Cornélio de alguma forma promoveu em Pedro a mesma reação que a multidão de Listra provocou em Paulo e Barnabé. Portanto, é possível que Cornélio aqui tenha oferecido a Pedro mais do que apenas respeito, ainda que não o considerasse como um deus. Certamente era algo ofensivo para Pedro receber, e não seria equivocado traduzir προσκυνέω como adoração, ainda que uma adoração desconexa de interesse pessoal. Favorece essa conclusão o fato de que o προσκυνέω não tem objeto direto explícito no texto, o que sugere que uma construção comum é esperada aqui com acusativo. Caso o interesse pessoal estivesse presente, o dativo deveria ser explícito.

4. Προσκυνέω Aplicado a Seres Angelicais

Apenas em duas ocasiões προσκυνέω é usado no NT em referencia a seres angélicos: (1) Em Ap.19.10 nós lemos: “καὶ ἔπεσα ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν αὐτοῦ προσκυνῆσαι αὐτῷ” (Então caí prostrado ante aos seus pés para adorá-lo). Como no caso de Atos.10.25 a cena inicia com com o verbo πίπτω (cair, prostrar-se) o que sugere que προσκυνέω não denota o ato físico de prostrar-se, mas a ação realizada quando se está prostrado. Também é evidente pela expressão ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν (ante aos seus pés) que João, o apóstolo, jogou-se aos pés do anjo com o objetivo de adorá-lo. Nesse verso é impossível que o sentido seja diferente desse, afinal em sua repreensão a João o anjo diz: “τῷ θεῷ προσκύνησον” (Adore a Deus). Note que o objeto de ambos os verbos é dativo (αὐτῷ; τῷ θεῷ) que sugere que tanto a atitude de Pedro, quanto a atitude sugerida pelo anjo foram carregadas de interesse pessoal.

(2) Semelhantemente, em Ap.22.8 nós lemos: “ἔπεσα προσκυνῆσαι ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν τοῦ ἀγγέλου” (caí aos pés do anjo para adorá-lo). Novamente a ação é introduzida por πίπτω, o que sugere que προσκυνέω não é usado com o sentido de prostrar-se apenas. Novamente, João prostra-se ante ao anjo com o objetivo de adorá-lo e novamente é por ele repreendido com a expressão “τῷ θεῷ προσκύνησον” (Adore a Deus). Novamente, o sentido aqui claramente sugere adoração, claramente rejeitada pelo anjo que sabe que somente Deus pode receber adoração.

É importante notar que a dupla reação angélica em Apocalipse é deveras similar àquela encontrada em Pedro em Atos, do mesmo modo que a ação de João para com o anjo em Apocalipse é deveras similar àquela encontrada em Cornélio em relação a Pedro. Isso favorece nossa sugestão de que não seria correto traduzir προσκυνέω em Atos como um ato de adoração.

5. Προσκυνέω Aplicado a Jesus Cristo

Προσκυνέω é usado em referência a Jesus Cristo 16x no NT (Mat.2.2, 8, 11; 8.2; 9.18; 14.33; 15.25; 20.20; 28.9, 17; Mc.5.6; 15.19; Lc.24.52; Jo.9.38; Hb.1.6; Ap.5.14). Como já vimos esse termo grego carrega ampla gama de significado e no período do primeiro século προσκυνέω era usado comumente para adoração inclusive dos Imperadores Romanos. Embora, a STV esteja convicta que em todas as ocasiões que προσκυνέω é aplicado a Cristo o sentido do termo significa apenas prestar homenagem, nós acreditamos que tal conclusão não corresponde a evidência.

a. Προσκυνέω Possivelmente Como ‘Prestar Homenagem’

Em Mc.15.19 nós lemos que os soldados que afligiam a Cristo “καὶ τιθέντες τὰ γόνατα προσεκύνουν αὐτῷ” (ajoelhavam-se e adoravam/prestam homenagem a Ele). Nesse texto, qualquer que seja o sentido que se atribua a προσκυνέω sabe-se que trata-se de um ato de ironia. Cristo poderia estar sendo reverenciado como o rei (cf. v.15), ou adorado como o tal, ou até mesmo homenagens poderiam ser prestadas a Ele. Entretanto, sabe-se pelo contexto que a ação dos soldados romanos era desprovida de real intenção. Em outras palavras, a partir desse verso, pouco se pode dizer sobre a possibilidade de Jesus receber ou não adoração.

b. Προσκυνέω Como um Ato de Reverência/Submissão

Em pelo menos 5 ocasiões (Mat.8.2; 9.18; 15.25; 20.20; Mc.5.6) os evangelistas apresentam histórias que de súplica ou até mesmo desespero. Caso similares a esses são encontrados tanto na LGC, LXX e outras narrativas apresentadas por Josefo. Em Mat.8.2 vemos que o o leproso “ἐλθὼν προσεκύνει αὐτῷ λέγων” (veio e prostrando-se diante dele disse). A narrativa aqui nos apresenta o caso de alguém crente e esperançoso para receber a cura para seu problema. A descrição desse leproso como vindo (ἔρχομαι) até Cristo, é apresentado em várias ocasiões onde seu poder é esperado (Mat.9:18; 15:25; 20:20). Pessoas vinha até Cristo desesperadas (Mat.9.18; 15.25; cf. Mc.5.6) com a expectativa que Ele pudesse resolver seu problemas. Nesses casos, parece que a narrativa não apresenta a ação descrita por προσκυνέω como um ato de adoração, muito menos de homenagem, mas de submissão diante de uma necessidade expressa por meio de súplica. Descreve um ato de humildade, inferioridade e impotência. Existe a crença de que aquele diante de quem se solicita o favor é capaz de realizar o pedido, na mesma intensidade que vemos o servo solicitar perdão do seu Senhor (Mat.18.26). A esperança por um milagre não necessariamente aponta para o reconhecimento de divindade em Cristo, pois em ocasiões de desesperoqualquer remédio é bom remédio. Em Mat.20.20, vemos a solicitação da mãe dos filhos de Zebedeu, que reverentemente ajoelha-se diante de Cristo. Dificilmente nesse caso encontramos um ato de adoração ou prestação de homenagem. É um ato de reverência ante a autoridade.

c. Προσκυνέω Como um Possível Ato de Adoração ao Cristo Encarnado

Na narrativa que Mateus apresenta para o nascimento de Cristo, προσκυνέω é usado 3x (Mat.2.2, 8, 11) e de fato é muito difícil classificar como esses versos devem ser entendidos. Em primeiro lugar, sabemos que προσκυνέω foi usado como forma de reverência a reis em textos na LGC e LXX e que era um uso comum no primeiro século, como visto nos papiros de Oxirrinco e nos escritos de Josefo e Filo, e portanto tal uso aqui não seria incorreto. Entretanto, nenhum exemplo se encontra desse tipo de ato reverente perante uma criança. Em segundo lugar, é difícil precisar de onde são os magos que vieram do oriente, para entender que tipo de costumes poderiam ter que pudesse explicar o que está acontecendo. Infelizmente, a narrativa bíblica não nos oferece informação suficiente para definirmos com clareza a origem e visão dos magos a respeito desse ato apresentado como o termo προσκυνέω.

Entretanto, alguns detalhes textuais merecem nossa atenção:

(1) Em Mat. 2.2 lemos: “καὶ ἤλθομεν προσκυνῆσαι αὐτῷ” (e nós viemos para adorar/prestar homenagem a ele). O verbo ἔρχομαι é usado aqui antes de προσκυνέω, e essa linguagem possivelmente aponta para um evento religioso onde o poder de Cristo é esperado (cf. Mc.5.33), ou até mesmo reconhecido. O objeto de προσκυνέω aqui é dativo, o que sugere, como já vimos, um sentido de pessoalidade envolvida.

(2) Em Mat. 2.8 lemos que Herodes diz: “ὅπως κἀγὼ ἐλθὼν προσκυνήσω αὐτῷ” (para que eu mesmo vá e adore/preste homenagem a ele). Sabe-se ao certo que as intenções de Herodes são diametralmente opostas a dos magos, mas usando de ironia Herodes usa a mesma construção que os Magos usaram para descrever o ato intencionado ante ao rei dos Judeus. O mesmo verbo (ἔρχομαι) introduz προσκυνέω e ele também opta pelo dativo como objeto do ato de homenagem/adoração. O que quer que os Magos queriam dizer com tal construção, Herodes sagazmente dá a entender que ele tem o mesmo plano.

(3) Em Mat.2.11, entretanto, vemos que o ato realizado pelos Magos é paralelo a vários outros relatos que descrevem um ato de adoração: “καὶ ἐλθόντες εἰς τὴν οἰκίαν (…) καὶ πεσόντες προσεκύνησαν αὐτῷ” (E indo até a casa (…) prostraram-se e adoraram/prestaram homenagem a ele). (a) Novamente ἔρχομαι é utilizado como introdução da cena e o objeto da ação descrita por προσκυνέω é dativo. (b) Entretanto, de acordo com a narrativa, os Magos se prostraram ante à criança antes de realizar a ação descrita com προσκυνέω. Como já vimos, esse mesmo tipo de construção foi vista na ação de Cornélio para com Pedro (At.10.25), de João para com o anjo (Ap.19.10; 22.8) e sabemos que existem fortes evidências que apontam para essa descrição como um ato de adoração. Nesses três casos πίπτω introduz a ação descrita por προσκυνέω cujo objeto é dativo. Vale acrescentar que a adoração a Deus é apresentada nesses termos em vários lugares no NT (Mat.4.9; 1Cor.14.25; Ap.4.10; 5.14; 7.11; 11.16; 19.4).

Diante disso, é possível entender que a ação realizada pelos Magos aqui aponta para um ato de adoração. Entretanto, não deve-se concluir disso que os Magos entendem a Cristo (criança) como Deus digno de adoração. Afinal, nada sabemos sobre o contexto de onde esses Magos e sua cosmovisão sobre a divindade. Por outro lado, podemos dizer que tanto quanto Mateus nos deixa conhecer desse Magos através de sua narrativa, o ato realizado pelos Magos é um ato de adoração. Tal ato estaria completamente dentro do padrão estabelecido pelo texto, afinal Cristo já havia sido chamado de Emanuel, Deus conosco (Mat.1.23).

Durante o ministério de Cristo, apenas dois versos parecem sugerir que Cristo foi adorado. Em Jo.9.38 lemos a resposta do homem cego, que depois de curado é convidado por Jesus para crer no Filho do Homem que disse: “Πιστεύω, κύριε· καὶ προσεκύνησεν αὐτῷ” (Eu creio, senhor e O adorou/prestou homenagem a ele). É realmente difícil definir o sentido de προσκυνέω nesse texto, e ambas traduções poderiam ser aceitas como válidas. Em defesa de uma tradução como “prestou homenagem a Ele“, ou “O reverenciou” apontamos o uso do vocativo κύριε (senhor), uma forma respeitosa de se dirigir a alguém investido de autoridade. Nesse caso, é possível que a resposta do cego a Cristo seja revestida de honra ou reverência. Contra essa conclusão, dois detalhes devem ser notados: (1) João usa προσκυνέω somente com sentido de adoração (Jo.4.20*2; 21, 22*2, 23*2, 24*2; 12.20); (2) O ato de prostrar-se é antecedido por uma confissão de fé em Cristo como o Filho do Homem, que no evangelho de João representa a revelação encarnada de Deus que deu sua vida pelo mundo (cf. Jo.3:13–14; 5:53; 6:27; 12:23; 13:31). Em outras palavras, ainda que a tradução “prestou homenagem” ou “O reverenciou”sejam possíveis, é bem provável que o texto aqui aponte para um ato de adoração.

Em Mat.14.33 nós lemos: “οἱ δὲ ἐν τῷ πλοίῳ προσεκύνησαν αὐτῷ λέγοντες, Ἀληθῶς θεοῦ υἱὸς εἶ” (Então, aqueles que estavam no barco, o adoraram dizendo: És verdadeiramente o Filho de Deus). Nesse verso a expressão Ἀληθῶς θεοῦ υἱὸς εἶ (És verdadeiramente o Filho de Deus) descreve o conteúdo expresso por προσκυνέω nesse texto. Dificilmente poder-se-ia dizer que essa afirmação trata-se de uma prestação de homenagem. Aliás, nesse texto, traduzir προσκυνέω como prestação de homenagem não parece adequado. Eles estão declarando que Cristo, aquele que andou sobre as águas, é verdadeiramente o Filho de Deus. É bem provável que esse é um caso de adoração ao Cristo encarnado.

d. Προσκυνέω como um Ato de Adoração do Cristo Ressurreto

Depois de usa morte e ressurreição, em três ocasiões προσκυνέω é usado em referência a Cristo, e pelo contexto, dois indicam um ato de adoração reverente a Jesus Cristo. Em Mat.28.9 nós lemos: “αἱ δὲ προσελθοῦσαι ἐκράτησαν αὐτοῦ τοὺς πόδας καὶ προσεκύνησαν αὐτῷ” (Então, elas aproximaram-se dele e abraçando-lhe os pés o adoraram). Nesse texto, o ato de prostrar-se é descrito pela expressão ἐκράτησαν αὐτοῦ τοὺς πόδας (lit. pegaram os pés dele) e, portanto προσκυνέω não descreve tal ato. Dificilmente nesse contexto o sentido de prestar homenagem é apropriado. Cristo não está sendo apresentado como um rei, não está sendo descrito como exigindo algo, nem encontramos na cena o desejo desesperado de ajuda, como vimos em outros texto. Nesse texto, vemos a reação das mulheres diante da notícia da ressurreição de Cristo dada pelo próprio Cristo ressurrecto. Da mesma forma que diante de um evento além da compreensão humana levou João a prostrar-se ante ao anjo em adoração, essas mulheres prostraram-se ante ao Cristo ressurreto em adoração. Entretanto, diferente do caso do anjo que repreendeu a João pelo ato indevido, Jesus consente com o fato. De duas uma, ou ele está recebendo algo indevido, e portanto, deve ser descrito como um impostor, ou ele aceita dos homens o que somente Deus pode aceitar. Note também o dativo como objeto direto (αὐτῷ) novamente usado aqui. Ao ler esse texto honestamente, dificilmente se escapa da conclusão de que a adoração de Cristo está em vista aqui.

Pouco à frente, quando os discípulos reencontram a Cristo, a reação é similar, mas não generalizada. Em lemos: “ἰδόντες αὐτὸν προσεκύνησαν, οἱ δὲ ἐδίστασαν” (quando o viram o adoraram, mas alguns hesitaram). O verbo usado aqui para descrever o que algumas traduções definem como dúvida é διακρίνομαι que não descreve um ato de descrença, mas de hesitação (cf. At.10.20) A hesitação apresentada aqui é interessantíssima, afinal são os discípulos que O conheciam intimamente parecem reagir de modo distante de Cristo. Nem todos duvidam nessa cena, mas o ato de adoração apresentado tem acusativo como objeto direto, o que sugere uma certa distância no ato da adoração. A cena é similar a encontrada no v.9, mas a distinção é também gritante: Os apóstolos, que deveriam recebê-lo devidamente, aqui são apresentados como em hesitação. Tal hesitação pode ter sido fruto de um possível medo de como Cristo reagiria diante da adoração deles, ou até mesmo de um problema religioso, no qual o pano de fundo judaico estritamente monoteísta estivesse em jogo. Mas, é mais provável que eles estavam confusos sobre como se portar diante do que estava acontecendo diante dos olhos deles. Entretanto, é importante notar a distinção que o texto oferece: Aqueles que adoraram não são os mesmos que hesitaram. Apenas alguns dentre eles hesitaram. Em outras palavras, ainda que a reação não tenha sido generalizada, dificilmente se encontra aqui um ato de prestar de homenagem. Do mesmo modo, não é possível ser categórico e afirmar que a atitude dos apóstolos aqui é uma atitude religiosa de adoração a Jesus Cristo.

Por fim, em Lc.24.52 nós lemos: “αὐτοὶ προσκυνήσαντες αὐτὸν” (Eles O adoraram). Nesse texto é indubitável que o sentido é de adoração por uma série de fatores contextuais: (1) O ato descrito como προσκυνέω é antecedido pelo assunção de Cristo aos céus (v.51). A expressão que Lucas usa aqui para descrever o fato é “διέστη ἀπʼ αὐτῶν” (Ele os deixou) é usada no evangelho é usado para descrever a partida de visitantes sobre-humanos (1:38; 2:15; 9:33; At.10:7; 12:10; cf. Gen 17:22; 35:13; Jz.6:21; 13:20); (2) O ato de deixar os discípulos é descrito como sendo a esfera celestial (ἀνεφέρετο εἰς τὸν οὐρανόν). Jesus não apenas os deixou de modo paralelo ao caso de anjos, mas seu destino foi aqui definido. Em outras palavras, enquanto esses discípulos recebiam de Cristo sua bênção, ele os deixou e foi assunto aos céus. Diante desse ato extra-ordinário os discípulos o adoraram. Seria estranho encontrar uma prestação de homenagem se aquele a quem se presta esse sinal de referência não estivesse presente.

e. Προσκυνέω como um Ato de Adoração do Cristo Exaltado

Dois textos descrevem o ato de adoração atribuída ao Cristo Exaltado. Em Ap.5.14, nós lemos: “οἱ πρεσβύτεροι ἔπεσαν καὶ προσεκύνησαν” (Os anciãos prostrando-se adoraram). Vários fatores favorecem a identificação de Cristo como Aquele que é adorado aqui: (1) O Cordeiro é o tema de todo o capítulo, mas especialmente nos versos 12-14. Observe que no verso 12 nós lemos: “Ἄξιόν ἐστιν τὸ ἀρνίον τὸ ἐσφαγμένον λαβεῖν τὴν δύναμιν καὶ πλοῦτον καὶ σοφίαν καὶ ἰσχὺν καὶ τιμὴν καὶ δόξαν καὶ εὐλογίαν” (Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra e louvor). O Cordeiro é digno de recebe o louvor, da mesma forma que o próprio Deus o é (Ap.7.12): “ἡ εὐλογία καὶ ἡ δόξα καὶ ἡ σοφία καὶ ἡ εὐχαριστία καὶ ἡ τιμὴ καὶ ἡ δύναμις καὶ ἡ ἰσχὺς τῷ θεῷ ἡμῶν” (louvor, glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força sejam ao nosso Deus); (2) O Cordeiro é identificado com Deus no ato de adoração de todas as criaturas, no céu,na terra, debaixo da terra, no mar e em tudo o que neles existe no v.13: “Τῷ καθημένῳ ἐπὶ τῷ θρόνῳ καὶ τῷ ἀρνίῳ ἡ εὐλογία καὶ ἡ τιμὴ καὶ ἡ δόξα καὶ τὸ κράτος εἰς τοὺς αἰῶνας τῶν αἰώνων” (Àquele que se assenta no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, honra, glória, e poder para o todo sempre). Tudo aquilo que fora criado oferece seu louvor a Deus, que se assenta no trono, e a Cristo. (3) Por fim, os próprios anciãos prostram-se ante ao Cordeiro e o adoram. A força do texto é tão intensa que até mesmo a Tradução do Novo Mundo entende que προσκυνέω aqui deve ser entendido como um ato de adoração. Em uma nota, entretanto, associam esse texto com Mt.4.10!

Por fim, em Hb.1.6 lemos: “προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες ἄγγελοι θεοῦ” (Todos os anjos de Deus o adorem). Esse é um daqueles textos controvertidos, afinal o texto poderia ser traduzido como “prestem homenagem” e a tradução até poderia ser entendia como correta. Entretanto, se προσκυνέω aqui refere-se apenas a uma homenagem, como de alguém diante de um superior, deve-se lembrar que Aquele que recebe tal homenagem deve ser entendido como superior aos anjos. Contudo, como podemos saber como προσκυνέω é usado aqui? Sabe-se que nesse caso o autor de Hebreus está citando um outro texto, assim como o faz diversas vezes em outras ocasiões nesse mesmo capítulo. A pergunta então é: A que texto o autor de Hebreus está citando ou aludindo aqui? A verdade é que o autor de Hebreus está citando o Cântico de Moisés.

Três textos da LXX apresentam o Cântico de Moisés: (1) Dt.32.43, que diz: “προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες υἱοὶ θεοῦ” (todos os filhos de Deus O adorem). Nesse verso encontramos um texto deveras similar àquele encontrado em Hb.1.6, com duas diferenças: (a) Em primeiro lugar o texto fala sobre υἱοὶ θεοῦ (filhos de Deus) e não a respeito dos ἄγγελοι θεοῦ (anjos de Deus), mas deve-se lembrar que as duas expressões são intercambiáveis na LXX. (b) Em segundo lugar, Aquele que recebe a adoração aqui é o próprio Deus. (2) Odes 2.43: “προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες οἱ ἄγγελοι θεοῦ” (todos os anjos de Deus O adorem). O texto aqui é idêntico ao encontrado em Hebreus, à excessão do artigo οἱ antes de ἄγγελοι, e é uma re-edição do texto de Dt.32.43. Novamente aqui a distinção é que Aquele que recebe a adoração é o próprio Deus. (3) Sal.96.7 (97.7): “προσκυνήσατε αὐτῷ πάντες οἱ ἄγγελοι αὐτοῦ” (Todo os Seus anjos O adorem). Nesse verso encontra-se a referência aos anjos, mas προσκυνέω aqui está na segunda pessoa do plural ao passo em todos os outros casos o verbo imperativo está na terceira pessoa do plural. Entretanto, novamente aqui o objeto da adoração é o próprio Deus.

Todos os textos mencionados acima são alguma forma uma variação do Cântico de Moisés, um importante documento judaico frequentemente aludido no NT (Rom.10.19; 11.11; 12.9; 15.10; 1Cor.10.20, 22; Fp.2.15; Lc.21.22; Ap.6.10; 10.5; 15.3; 18.20; 19.2;cf. 4Mac.18.18-19) O que é interessante é que os texto citados acima tem duas características em comum: (1) Nos três versos προσκυνέω é indubitavelmente usado com o sentido de adoração e (2) O objeto de προσκυνέω nos três versos é o próprio Deus. Em outras palavras, o autor de Hebreus alude a um texto extremamente bem conhecido pela igreja primitivo no qual o sentido do texto era relacionado à adoração do próprio Deus e o aplica a Jesus Cristo. Dificilmente uma declaração mais clara da divindade de Cristo e do fato de que ele é digno de ser adorado pode ser oferecida. De fato, o contexto de Heb.1 suporta largamente essa conclusão, afinal, Ele já tinha sido apresentado como Criador (1.2), a expressão exata da essência (ὑπόστασις) de Deus (1.3), o sustentador de todas as coisas (1.3), tendo um nome superior ao dos anjos (1.4), de tal modo que os próprios anjos, sob ordenação divina o adoram.

C. Conclusão

Como demonstramos em nossa análise diacrônica, no período imediatamente anterior à produção do NT προσκυνέω é largamente usado para descrever um ato de adoração. Também vimos que no período imediatamente posterior ao NT, especialmente na literatura cristã, προσκυνέω é usado exclusivamente com sentido de adoração. Portanto, não nos surpreende encontrar no NT tantos usos de προσκυνέω como um ato de adoração.

Deus é adorado 23x no NT com προσκυνέω (Mat 4.10; Lc.4.8; Jo.4.21, 23*2; 4.20*2, 24*2; 12.20; At.8.27; 24.11; 1Cor.14.25; Hb.11.21; Ap.4.10; 7.11; 11.16; 11.1; 14.7; 15.4; 19.4, 10; 22.9). Todas as vezes que a adoração a anjos é apresentada no NT προσκυνέω é usado (Ap.19.10; 22.8). Até mesmo o ato religioso de idolatria é apresentado, mesmo que uma única vez, como o termo προσκυνέω (At.7.43). É por isso que seria altamente improvável que todas as vezes προσκυνέω fosse aplicado a Cristo ele fosse completamente desprovido de atitude religiosa. Entretanto, das 16x que προσκυνέω é usado em referência a Cristo, certamente 6 não descrevem um ato de adoração (Mat.8.2; 9.18; 15.25; 20.20; Mc.5.6; 15.19) e pelo menos outras seis ocasiões o sentido de adoração é apenas possível (Mat.2.2, 8, 11; Mat.14.33; Mat.28.17; Jo.9.38), muito embora em alguns desses texto tal sentido seja altamente provável. Por outro lado, em 4 ocasiões o sentido de adoração é indubitável (Mat.28.9; Lc.24.52; Hb.1.6; Ap.5.14). Nesses textos a força de προσκυνέω claramente aponta para um ato de adoração, que não foi rejeitado por Cristo em Mat.28.9; recebido por Ele nas regiões celestiais em Lc.24.52; realizado por toda criação em Ap.5.14 e ordenada por Deus aos anjos em Hb.1.6.

Portanto, podemos concluir seguramente que o NT claramente atribui a Cristo o ato de adoração, do mesmo modo a atribui a Deus. Pai e Filho são equiparados não apenas nas características que partilham, mas também na devoção e adoração que recebem. É evidente que Cristo é digno da nossa homenagem, entretanto, de acordo com as escrituras, Ele é digno de muito mais: Poder, honra, riqueza, sabedoria, louvor e a nossa adoração! Ele é nosso Senhor, e como Policarpo, nós o adoramos como Filho de Deus. A Ele devemos tudo, e tudo a Ele daremos, incluindo nossa adoração.

Fonte: napec.org

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