Teologia Sob Medida

Mundos impossíveis?

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Por O Senil

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Um fenomenólogo chamado Eugen Fink diz em um de seus livros (chamado, em tradução livre, de “jogo como símbolo do mundo”) que a fenomenologia fala basicamente da questão do “mundo”. Este seria o tema essencial de toda pesquisa fenomenológica. E, devo dizer, é bem verdade. “Mundo” abarca tudo aquilo que conhecemos e com as quais podemos estabelecer alguma relação recíproca: nós nos encontramos com coisas no mundo. A fenomenologia também pôde contar as pessoas um fato óbvio: nós estamos em um mundo. Nas palavras de Fink: “o mundo não é um objeto; ele é antes, talvez, a região de todas as regiões, o espaço de todos os espaços e o tempo de todos os tempos”.

O que isso significa? Nós não estamos diante do mundo. Ele não se mostra diante de nós. Nós estamos nele. Somos parte deste mundo em que fomos lançados. Pascal, pensador e matemático francês, afirma que cada um de nós poderia ter nascido em uma outra cidade, época e família, mas que isso não aconteceu e nem pode acontecer. Esta é a condição básica de ser-lançado e que, em certo sentido, arruína as pretensões de onipotência humana.
E dizer que estamos no mundo (que somos seres-em-um-mundo) significa dizer que estamos no espaço e também no tempo. Claro que sabemos que a divisão entre tempo e espaço é um tanto artificial e falar de “mundo” é muito melhor para descrevermos nossa condição. Mesmo falar em “universo” para descrever esta condição é um falseamento do problema porque este conceito “coisifica” o mundo colocando-o como um “Grande Objeto” diante de nós, sujeitos.
Paradoxalmente, é interessante que, mesmo já estando desde que nascemos em um mundo, nós sempre nos deparamos com outros mundos diante de nós e nos quais podemos nos lançar se o desejarmos. Talvez pudéssemos chamá-los mais acertadamente de “mundos possíveis” porque há a possibilidade de os percebermos como mundos. Merleau-Ponty, ao falar sobre a percepção (nossa relação mais original com as coisas do mundo), afirma que tudo é um mundo, que todo fenômeno possui várias faces que podemos observar. Seja como for, é preciso que nos deixemos iludir (lembram-se do in-ludere?) por eles se realmente queremos compreendê-los e se realmente queremos dizer que estamos neste outro mundo.
Já falei muito aqui da importância de nos lançarmos a um outro mundo, nos lançarmos a um jogo. Mas é preciso que entendam que isso não é mero jogo de palavras: é realmente preciso “estar lá” e não mais “aqui”. Calma, que vou explicar.
Ao olharmos para as obras de Escher que tratam de invenções e brincadeiras com a perspectiva, podemos notar sua ênfase em se divertir com o espaço. E ele adorava o espaço “real” que podemos “ver” naturalmente e sem esforço. “Estar lá”, em outro mundo, não significa fazer as malas e entrar em um lugar diferente como fazemos ao viajar para algum país exótico. Embora todo os mundos que existem dentro deste mundo que todos compartilhamos derive deste, isso não significa que ele seguirá suas regras e seus espaços. E também não quero dizer que esses lugar existem “somente na imaginação” porque vemos estes espaços em suas obras, assim como vemos reinos e cidades “impossíveis” diante de nós ao lermos livros, vermos filmes, ou jogarmos um game.
Ao nos lançarmos a determinado espaço, ele possui certas regras. Algumas delas exigem que aceitemos uma cachoeira que corre perpetuamente, um edifício impossível de ser construído em nosso mundo, ou uma garota que cresce e diminui ao comer e beber algumas coisas.
Escher brinca muito com o que chamam de “espaços impossíveis”. O que é, para mim, uma designação errada porque a imaginação não requer algo que seja possível no plano espacial de nosso mundo-base. Eu posso dizer isso porque estive lá. Impossível seria se fosse um espaço incapaz de ser penetrado, um espaço pertencente a certo mundo que ninguém pudesse entrar. As cidades invisíveis não são impossíveis: elas estão aí; basta que “se entre nelas”, mesmo já estando em seu espaço sem percebê-lo.
“Entrar” é essencial aqui. Embora não possamos escolher o mundo em que estamos antes de nosso nascimento, podemos escolher por quais mundos nos deixaremos levar. Em quais mundos entraremos? Ou, levando para o singular, “em qual mundo entrarei?” quando vemos diante de nós vários games que queremos jogar. Entrar em um jogo é entrar em um espaço muito preciso e peculiar. Se avançarmos suas linhas, o abandonaremos com rapidez. Assim como ao entrarmos em uma casa, podemos atravessar uma janela, uma porta ou uma parede falsa e sair dela, se fizermos determinadas coisas.
O que quero dizer com tudo isso? Simples: ao afirmarmos que “é preciso entrar no jogo”, não usamos uma simples metáfora. É preciso estar ali, naquele espaço. E estar em um espaço é percebê-lo; e percebê-lo e a tudo que nele está conosco é o que fazemos em um jogo. Não jogamos games somente porque “imaginamos” o que acontece, mas porque as vemos. Seja um game, ou um livro.
Sartre diz que a imaginação nada mais é do que perceber a ausência. E talvez seja por isso que muitos jogadores dizem que preferem jogos antigos porque exploram mais a imaginação: nem tudo é dado de bandeja e nem tudo é detalhado para você. Assim como em um livro em que rostos se formam quando lemos algo como “corriam pela estrada fumegante de lava dois sujeitos com aparência solene. Não desesperados, o velho de barba branca e manto cinzento corria em último lugar e à sua frente trotava um pequenino de pés peludos temendo por sua vida e de seu destino”. As palavras não fazem referência a algo; elas não nos fazem imaginar necessariamente. Com um game é a mesma coisa. Ver uma árvore, seja ela mais “realista” ou mais “cartunesca”, ainda é uma árvore e, dentro daquele espaço, faz sentido como árvore.
Um outro ponto interessante é a repetição. Escher nos convida a reavaliar os espaços que cria sob diferentes perspectivas (ou sob as mesmas). Em todo jogo e todo fenômeno do mundo faz o mesmo conosco, mostrando-se como novo a cada vez que olhamos para ele, a cada vez que estamos nele. Merleau-Ponty diz que todo fenômeno é inesgotável e como saberemos disso se não nos voltarmos infindas vezes a uma mesma coisa? Ou ler sobre viagens de outras pessoas ao mesmo mundo? “Relatos de viagem” de viagem são importantes por descreverem o que foi visto e vivido. O erro de alguns críticos é se fiarem muito mais no julgamento valorativo e moral de games e jogos do que em descrevê-los; preferem dizer que um é melhor d que outro do que descrever a experiência com cada um. Assim, nunca saberemos como é um mundo: é como dizer, simplesmente, que Dublin é melhor que Belfast sem descrever nenhuma delas.
Para concluir, queria que pensassem em uma questão correlata. Crianças, adolescentes e adultos, embriagados de certo egoísmo que nada tem de juvenil (e sim um tanto diabólico) declaram que querem “mais espaço”. O espaço não pode ser possuído; por ser parte constituinte do mundo, ele nos envolve. A questão é: percebemos este espaço em que estamos? Voltamos os nossos olhos a ele? Não tenho a Belvedere de Escher e nem o Dead Sea de Chrono Cross: mas sei como é estar em cada um destes lugares. E é somente estando neles que abrimos as possibilidades de percebermos tudo o que cada um deles contém.

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