Perguntas Sobre Deus

CAPÍTULO 02 – Primavera da Alma

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“Nas trevas andam às apalpadelas, sem terem luz, e os faz desatinar como ébrios.” – Jó 12.25

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Enquanto o sol lentamente se escondia no verde azulado de um horizonte coberto de solidão, Olek Vigotsky dirigia, afogado em seus próprios pensamentos. Sentia-se privilegiado de poder conhecer uma família tão impressionantemente rara como os Gleiserbaum. Em sua conversa telefônica no fim da manhã, Peter não somente o tinha tratado com extrema gentileza, mas também o havia convidado para um jantar reservado que seria realizado em celebração pela chegada da filha Aléksia. Havia conhecido Aléksia e tido oportunidade de conversar com ela, em algumas poucas oportunidades, mas o que mais lhe interessava eram as conversas francas que sempre podia ter com Peter e Marie. Por mais que se esforçasse não entendia como um PhD em Educação poderia desistir de uma carreira de sucesso sob uma perspectiva quase indestrutível e se tornado um fazendeiro dedicado, arrastando consigo uma biblioteca, o que o deixara impressionado, na única vez em que pôde visitá-la.

Como discípulo do Dr. Engel Lichttrager,  um renomado e destacado aglutinador pós-modernista do positivismo pragmático, Olek havia entregue coração e alma aos estudos behaviouristas do junguianismo freudiano de seu mestre.  No entanto, sua alma ardia numa ânsia indecifrável. O vazio o atormentava, o conhecimento o instigava, mas o mestre o sufocava. Seus hábitos pessoais não deixavam transparecer as questões que o perseguiam. Como palestrante renomado, escritor dedicado, professor influente, Olek sentia-se um pêndulo vivo dentro do relógio existencial que lhe envolvia a alma. Sua vida permanecia num palco suspenso da teatralidade bem estruturada de uma vida bem relacionada. Porém, ele havia se fechado em uma concha impenetrável de aparente equilíbrio, sustentada pela religiosidade de sua submissão passiva. Afirmando-se livre, sentia-se prisioneiro nas profundezas de um calabouço inatingível. Sua concha, com o passar do tempo, o havia condenado. Uma extensa e ampla distância separava sua realidade do entendimento externo de terceiros. Quando os Gleiserbaum conseguiram decifrar-lhe o estado de agonia, sentiu a alma tremer e, a muito custo, controlou o ódio avassalador que o invadiu. Durante muitos anos os estudos do Dr, Engel Lichttrager e o seu humanismo abrangente o haviam fascinado. Sua linguagem aparentemente sã, equilibrada, suas palavras suaves e agradabilíssimas e sua doçura firme e cativante não lhe permitiam deixar de desejar sempre mais. Certo tipo de vício atingiu o seu ser, sob um fogo que lhe parecia iluminar a mente, espalhando-se por todos os poros de sua pele. De certa forma, Lichttrager o tratava como um dependente químico, o qual sempre necessitava de uma dose maior. Mas este círculo ininterrupto o isolou do mundo que procurava compreender e os seus olhos se fecharam para a realidade do fruto dos seus esforços, negando com os sofismas os resultados desastrosos que estavam diante dos seus olhos. Sim, Lichttrager o sufocava, embora prometendo lhe conceder o ar que tanto desejava. E, sobre tudo isso, como era estranho se debruçar sobre a tutela dos ensinos de um professor falecido há séculos.

O renomado Olek continuava dirigindo, enquanto pelo retrovisor via a poeira avermelhada e cheia de pedras revolvendo-se.   O que pensariam seus alunos se pudessem enxergar a sua alma? O que diriam seus admiradores se pudessem decifrar os seus tormentos? Precisava esconder-se, fugir, anestesiar-se. Não era assim que havia aprendido e defendido sempre? A sinuosidade da estrada se confundiu com imagens de si mesmo, e palavras brotaram em sua mente. Era a voz de Peter, lhe falando outra vez: – Olek, meu caro, não somos contra a lógica. De fato, ao defendermos a realidade de uma fé racional, nos torna utilíssima a lógica como ferramenta da alma, do ser e da realidade. – Peter não era austero simplesmente, era carregado de sinceridade, mas sem ofender. Algo que Olek só conseguia demonstrar com excedente esforço acadêmico. – Tome-mos um exemplo, se me permite – continuou Peter. – Claro, continue. – Olek, com os braços cruzados, levantou a mão direita e a colocou sob o queixo, mantendo o outro braço apoiando o cotovelo.

– O que me dirias, apenas usando a lógica, a respeito de um homem de avançada idade, que demonstra prazer em se apresentar em público vestindo apenas cuecas, cuja principal preocupação é a quantidade de vezes que ele evacua durante o dia, argumentando constantemente de forma contraditória que o que ele crê hoje pode mudar amanhã e já ontem era diferente, agindo na prática às avessas do que ele mesmo afirma acreditar, submetendo a família aos seus atos de crueldade insolente e desumana, realizando experiências de ordem sexual com as próprias netas, enquanto escreve cartas de admiração a Adolf Hitler, definindo-o abertamente como seu querido amigo, elogiando sua devoção à Pátria, e não tendo dúvidas de que ele fosse alguém de inestimável bravura e devoção? O seu diagnóstico, qual seria?

– Diria que tal homem é uma ameaça à sociedade, que ele beira à psicopatia, está no limite da insanidade criminosa e mereceria estar recluso e isolado de sua família. – respondeu Olek, sem titubeios e sem hesitar. Peter olhou com carinho para ele e sorriu.- Amigo Olek, eu acabei de descrever Mohandas Karamchand Gandhi, um dos principais líderes políticos e religiosos que o mundo exalta. – Peter percebeu Olek empalidecer enquanto um calafrio inundou-lhe a alma. Mas Olek permaneceu firme, com  muito esforço para controlar o ódio que lhe irrompeu os nervos. – A Bíblia diz, amigo Olek, que o fruto define a árvore, mas muitos frutos podres são tidos como saudáveis por uma sociedade que ignora  a realidade dos fatos.

O pôr-do-sol obrigou Olek a acender os faróis do carro. Vendo a noite chegar, sentia-se em busca de luz, apalpando as trevas em que ele mesmo havia se deixado envolver. E as luzes acesas da fazenda dos Gleiserbaum, que ele já podia enxergar alguns quilômetros à frente, davam-lhe uma estranha sensação de esperança.

 Autor: Pr Miguel Maciel

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