Estudos Bíblicos

Princípios da doutrina da igreja – parte 2

Princípios da doutrina da igreja – parte 2
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Por Jonas Ayres

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A QUALIDADE DE VIDA COMUNITÁRIA

Fomentar o desenvolvimento, o crescimento, a expansão da igreja como ajuntamento de pessoas sem focar que se tratando do Reino de Deus na terra pode nos levar a erros que talvez não tenham cura ou, na melhor das hipóteses, gerar profundas cicatrizes.

Mas antes mesmo de avançar no mérito da vida comunitária pensar melhor no que significa ser e estar em comunidade. Quando a igreja traça uma linha divisória entre o sacro e o profano, entre o santo e secular e entre “nós” e “eles”, facilmente o viver em comunidade torna-se um desafio pela natureza exteriorizada da instituição.

Esta visão dicotomizada nos prejudica a entender a vivência com a comunidade externa e pior, com a própria comunidade da igreja, com a vida em comunhão na igreja, a comunhão dos santos. KELLER (2014, p.369) ajuda a entender o que é comunidade:

É natural pensar em “comunidade” como uma categoria separada do evangelismo e das ações externas da igreja, ou do treinamento e do discipulado, ou da oração e da adoração. E, claro, fizemos isso ao categorizá-la como uma frente distinta de ministério. Mas isso pode ser enganoso. A comunidade em si é uma das principais maneiras de fazermos evangelismo e discipulado, e até mesmo de termos comunhão com Deus.

Conforme comentado anteriormente, a igreja contemporânea comete erros de desvio do foco evangélico por não cumprir eficazmente o mandamento de ser ensinadora e discipuladora. A importância da vivência comunitária na igreja é uma espécie de vetor que auxilia todo o corpo num crescimento coeso de relações pessoais e das relações das pessoas com o Evangelho e com Deus. O ensino está facilmente atrelado ao ambiente de classe e de culto, porém no viver comunitário as pessoas podem facilmente compartilhar sobre o que Deus tem feito em suas vidas, trocar boas e más experiências, compartilhar, dar e receber – em todo e qualquer sentido – e crescer como cidadãos do Reino. Na vivência comunitária como crentes deve haver um direcionamento para aquilo que SNYDER (2004, p.87) considera fundamental:

A responsabilidade de cada crente é, em primeiro lugar, para com a comunidade cristã e sua cabeça, Jesus Cristo. As primeiras tarefas de todo cristão são a adoração e a edificação da comunidade dos crentes. Se dissermos que a evangelização ou a salvação das almas é a primeira tarefa do crente, vamos violentar o Novo Testamento e colocar nas costas de alguns crentes um peso que não conseguirão carregar.

Não é difícil ouvir reclamações de membros que não conseguem se envolver com o corpo local, com os membros da igreja. Esta tarefa não é fácil e não deve ser forçada. Se um programa eclesiástico é “inventado” pelo pastor para que os membros se envolvam, isso certamente não trará frutos. É preciso que pastores, mestres, evangelistas, obreiros, estejam engajados em incentivar o relacionamento natural. Microcomunidades virão a existir não como panelas ou guetos, mas como pessoas crescendo e agregando valores uns aos outros.

DICOTOMIA ENTRE CLERO E LEIGOS

Certamente este é um calcanhar de Aquiles para a igreja deste tempo. Ainda que a Reforma Protestante tenha como um de seus pressupostos bíblicos básicos o “sacerdócio universal dos santos”, há muito que ser feito às margens dos 500 anos que se passaram desde que Martinho Lutero afixou as 95 Teses à porta da Catedral do Castelo de Wittenberg.

Ainda que o sacerdócio universal não implique na “eliminação” da liderança da igreja local, ele tem sido afogado por muitas vezes pela ganância de homens que pensam ser donos de igrejas, até porque muitos de fato são, e pela falta de incentivo ao exercício do servir. A herança católico-romana ainda é muito forte no meio cristão evangélico, ao ponto de muitas crendices ainda persistirem ao ponto de levar o membro comum a enxergar na figura do pastor um “padre evangélico”, um intermediário, benzedor, mágico-carismático.

Para que se possa avançar neste sentido deve-se trabalhar de maneira consciente e contínua para transcender a dicotomia clero-laicato em pensamento e discurso. Hoje os termos ministro e ministério (ministros profissionais ou ordenados) que não são bíblicos levam a 95% da igreja a se sentirem leigos, ou seja, sem ministérios a executar.

A Bíblia se refere à igreja como um corpo (1Co 12.12-27), cujo cabeça é Cristo e que possui vários membros (Ef 4.15-16) cada qual tendo sua função para que haja vitalidade no corpo, para que a vida de Deus flua na comunidade de crentes levando este corpo a um movimento empolgantemente vívido. Desta maneira é inconcebível pensar num corpo inerte, cuja mão não sabe para que sirva e o pé não deseja andar por não ter se “identificado” ministerialmente. Falha-se miseravelmente ao não ajudar o membro a entender sua vocação, mas falha-se duas vezes mais ao criar distinções tão agudas ao ponto de muitos pensarem em ministério como o alto clero e a membresia como os leigos ou a plebe.

Bom é perceber que enquanto muitos “donos” de igreja procuram por ávida ganância títulos impensáveis na recente história da igreja (apóstolos, patriarcas, pai), alguns teólogos de influência traçam o caminho reverso da submissão à palavra para que todo o corpo sirva com lucidez, tal qual STOTT (2013, p.71) esclarece e derruba esta dicotomia clero-leigo:

Prestamos grande desserviço à igreja sempre que nos referimos ao pastorado como “o” ministério, pois se usamos o artigo definido, damos a impressão de que pensamos que o pastorado é o único ministério que existe. Arrependi-me disso algumas décadas atrás e convido meus leitores a se unirem a mim na penitência hoje. Se alguém diz na minha presença hoje em dia que isso ou aquilo “está acontecendo no ministério”, tento parecer inocente e respondo: “É mesmo? De que ministério você está falando?”. A que meu interlocutor em geral responde “o ministério pastoral” – a que replico “Por que você não disse isso?”.

O embasamento todo da questão está na confusão de entender o pastoreio (clero) como o supraministério da igreja e que as demais funções do serviço estão no subministério, porém biblicamente o servir (não a responsabilidade administrativa e de liderança) está ligado à palavra grega diakonia, palavra genérica que significa ministério ou serviço e que sem a especificação de um adjetivo fica vazio de significado. Pode ser a diakonia pastoral, social, missionário, médico, administrativo, socorro e muito mais. Baseado na passagem de Romanos 14.4, STOTT (2013,p.71), continua:

Vamos agora resumir o princípio que é ilustrado nessa passagem. É o de que todos os cristãos são chamados para o ministério (diakonia). Porque somos seguidores daquele que disse ter vindo não para ser servido, mas para servir (Mc 10.45), é inconcebível que gastemos nossa vida de outra maneira que não seja no ministério ou serviço. Mas há uma vasta diversidade de dons, chamados e ministérios, e precisamos descobrir nossos dons e ajudar os outros a descobrir os deles.

Neste sentido fica muito claro que a vocação de um indivíduo, regenerado, levado ao convívio coletivo e de comunidade cristã servirá em sua diakonia seja qual for com o prazer e entusiasmo de fazê-lo para glória de Deus.

NOVAS CONGREGAÇÕES GERADAS

O surgimento de igrejas sadias pela cidade é algo que devemos enxergar com um olhar especial. Considerar a geração de uma ou duas novas congregações a partir da igreja local existente à medida que esta cresce em número de membros facilita não apenas o quesito de deslocamento de pessoas, uma vez que os efeitos do mundo moderno produz o caos do deslocamento urbano, mas também ajusta a comunhão dos cristãos em igrejas novas.

Para SNYDER (2004, p.134) é preciso estar atento quanto ao tamanho de uma igreja, muito embora não exista um padrão número de membros:

O melhor tamanho de uma igreja local varia, é claro, de acordo com fatores culturais e não se pode estabelecer nenhum limite arbitrário. Pesquisas sobre crescimento de igrejas indicam, porém, que depois que a congregação cresce e atinge alguma centenas de membros, o índice de crescimento diminuí, a menos que se formem novas congregações filiais, por meio do crescimento por divisão.

Entendendo a plantação de igrejas em meio urbano (ou não, necessariamente), KELLER (2014, p. 426-427) defende que a plantação continua de igrejas atua como um vetor de contínuo ajuste cultural, ou seja, a presença ostensiva de plantadores de novas congregações firma a cultura cristã:

A tarefa de plantar igrejas não se aplica apenas a regiões distantes ou a sociedades pagãs que estamos tentando a se transformar em cristãs. As sociedades que já contam com igrejas têm de manter uma plantação de igrejas vigorosa e abrangente, simplesmente para continuar cristãs. Uma igreja sozinha, não importa o tamanho, jamais conseguirá atender às necessidades de uma cidade tão diversificada. Somente um movimento de centenas de igrejas, pequenas e grandes, consegue penetrar literalmente em cada vizinhança e em cada grupo de uma cidade.

Algumas igrejas nunca irão crescer se não multiplicarem[1] em novas comunidades. A multiplicação não deve ser enxergada negativamente como perda de membros, receitas ou volumes. Igrejas bem estruturadas e com algumas centenas de membros devem pensar em juntar algumas famílias que vivem na mesma área, e usa-las como núcleo de uma nova congregação. Uma igreja mãe precisa pensar que além de uma boa estrutura local ela deve ser uma plantadora de igrejas. Segundo as palavras de STETZER (2015, p.392):

O plantador é a pessoa que desenvolve e instila a visão para iniciar novas igrejas. Desde o primeiro dia de uma nova igreja plantada, o plantador deve agir de maneira estratégica para reproduzir aquela igreja e fazer avançar o reino de Deus produzindo igrejas-filha. A sabedoria comum mostra que se você não plantar uma igreja-filha dentro de três anos, jamais o fará.

Isso poderia acontecer em qualquer lugar, salão, sala, garagem alugados, por exemplo. Com o crescimento destas congregações, elas poderiam se dividir novamente no mesmo processo indefinidamente.

Este processo de crescimento pode surgir em momentos específicos da igreja de origem, seja através de uma congregação ou igreja filha iniciada num bairro distante, noutra cidade ou mesmo país, ou pela saída de membros e líderes para o início de uma nova comunidade de fé. Ainda que esta nova comunidade tenha surgido como um “cisma”, é preciso entender com maturidade cristã que o rebanho pertence a Deus e que se esta nova comunidade estiver fiel aos princípios da Bíblia, que o próprio Senhor cuide e dê crescimento saudável. Que haja comunhão genuína e expansão do reino de Deus.

Estas novas congregações se tornam um vetor muito especial para que o reino avance e mais pessoas conheçam o evangelho, vem a tornar-se membros da comunidade do Rei, O adorem e sirvam ao propósito dEle. Como? À medida que novas igrejas filhas surgem, a tarefa de evangelização de não alcançados pela igreja mãe avança. Com isso novos líderes e pastores serão levantados ao longo da existência da nova igreja.

Relevante é quando a igreja está unida no propósito do reino na cidade onde está fixada. Conselhos de pastores são úteis para que as estratégias estejam focadas no reino e em sua expansão. Desta forma podemos olhar para além de nossos próprios muros organizacionais. Como? Focando esforços e recursos para que as novas igrejas filhas sejam suficientemente fortificadas, e neste sentido abdicando do investimento de recursos num mesmo local que já está suficientemente estruturado. Isso faz toda a diferença!

Existe um paradigma a ser vencido na eclesiologia contemporânea. Infelizmente o contexto geral da igreja brasileira é mercado de consumo, com igrejas servindo interesses que muitas vezes se distanciam do propósito de reino. No contexto norte americano, por exemplo, DEVER & ALEXANDER (2015, p.251-252) propõem um modelo de “trégua” para o benefício do reino de Deus:

As igrejas mostram maturidade corporativa quando demonstram interesse amoroso por outras igrejas locais em sua região. Sempre pensamos no foco voltado para fora, em termos individuais ou globais. Mas uma igreja local madura compreende que há outras igrejas evangélicas firmes em seus arredores, que podem ou não ter obtido tanto progresso como nós. Se não for este o caso, ofereça-lhes recursos que contribuirão para o desenvolvimento prático e teológico – livros, livretos, pregações em CD, bolsas para participação em conferências ou apenas uma oferta coletiva em dinheiro, a fim de que comecem um ministério digno.

A transmissão de um legado para as gerações futuras começa agora. Uma mudança de paradigma pode ser crucial para que os crentes da próxima geração entendam que acima de bandeiras denominacionais, a união e aliança de cristãos comprometidos com a causa do reino fazem a diferença para o efeito multiplicador das comunidades de crentes na cidade.

NOTA:

[1] Enquanto STETZER usa o termo “multiplicar”, SNYDER aplica o termo “dividir”. O jogo de semântica pouco importa aqui. O foco está na ação prática da igreja como instrumento missional e que neste sentido deve crescer não apenas no local da igreja mãe, mas especialmente no crescimento de novas comunidades de fé como igrejas filhas, sejam essas da própria denominação ou não.

REFERÊNCIAS

O Catecismo Maior. Assembleia de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

COMFORT, Philip W.; ELWELL, Walter A. Dicionário Bíblico Tyndale. Santo André: Geográfica, 2015.

DEVER, Mark. Igreja: o Evangelho visível. São José dos Campos: Fiel, 2015.

DEVER, Mark; ALEXANDER, Paul. Igreja Intencional: edificando seu ministério sobre o Evangelho. São José dos Campos: Fiel, 2015.

GIBBS, Eddie. Para onde vai a igreja: mudanças na maneira de conduzir ministérios. Curitiba: Esperança, 2012.

HECHT, Susan. Relacionando-se fielmente com não cristãos em uma era relacional. InCARSON, D.A. (org). A verdade: como comunicar o Evangelho a um mundo pós-moderno. São Paulo: Vida Nova, 2015.

KELLER, Timothy. Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério equilibrado e centrado no evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2014.

SNYDER, Howard A. A comunidade do Rei. São Paulo: ABU Editora, 2004.

STETZER, Ed. Plantando igrejas missionais: como plantar igrejas bíblicas, saudáveis e relevantes à cultura. São Paulo: Vida Nova, 2015.

STOTT, John. A Igreja autêntica. Viçosa: Ultimato; São Paulo: ABU Editora, 2013.

Fonte: Napec

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